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É pastor da Igreja Batista de Água Branca, doutor em ciências da religião e escritor

Os Legendários salvarão a nossa masculinidade?

É difícil imaginar Jesus — tratado por eles como o primeiro Legendário — gritando palavras de ordem, impondo um modelo primitivo de masculinidade e submetendo seus seguidores a rituais secretos nas montanhas

  • Kenner Terra É pastor da Igreja Batista de Água Branca, doutor em ciências da religião e escritor
Publicado em 19/05/2025 às 11h42

O movimento dos Legendários, criado na Guatemala e presente no Brasil desde 2017, vem ganhando visibilidade após a adesão de famosos como Thiago Nigro e Tirulipa. A proposta consiste em promover encontros exclusivamente masculinos, com o objetivo de proporcionar transformação pessoal, familiar e comunitária. Segundo o próprio movimento, sua missão é “devolver o herói a cada família” e “formar homens inquebrantáveis diante do pecado, mas quebrantados diante de Deus”.

À primeira vista, a ideia parece positiva: construir homens mais responsáveis, que valorizem suas companheiras e assumam seus deveres familiares. Contudo, apesar de insistirem que não são um movimento religioso, o conteúdo segue uma perspectiva peculiar do cristianismo.

Nesse movimento, defende-se um modelo tradicional de masculinidade, em que o homem ocupa a posição de líder e provedor, enquanto a mulher é relegada ao papel de cuidadora e submissa. Essa proposta, porém, colide com a realidade brasileira, onde, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 50,8% dos lares são chefiados por mulheres.

Outro aspecto preocupante é o resgate de uma masculinidade primitiva: o homem viril, forte, caçador e herói. Essa concepção não apenas reduz a diversidade de masculinidades legítimas, mas também silencia outras formas de expressão masculina, que muitas vezes são mais saudáveis e condizentes com a complexidade das relações sociais atuais.

Um jovem que me segue nas redes relatou-me que participou do encontro e quando tentou abandonar a atividade foi insultado, acusado de ser uma vergonha para sua família e só conseguiu descer a montanha após ameaçar registrar um boletim de ocorrência. Embora essa não seja a experiência de todos, o episódio revela os riscos de discursos e práticas fanáticas travestidos de formação pessoal.

Embora o movimento pregue contra a violência doméstica, ao reforçar a superioridade masculina sob a justificativa divina, acaba contribuindo, ainda que de forma indireta, para a manutenção de relações desiguais e ambientes hostis. O relatório “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil” (2025) mostrou que a violência de gênero no país atingiu, no último ano, seu maior índice desde o início da série histórica.

Entre as vítimas, 42,7% são evangélicas, percentual superior ao das católicas, mesmo sendo estas a maioria da população religiosa. Não se pode afirmar que os Legendários sejam responsáveis diretos por esses números, até porque, em seus discursos públicos, condenam a violência contra a mulher. Porém, ao tentarem “salvar” o homem líder, cabeça do lar, forte e caçador acabam por promover o discurso tradicionalmente associado à masculinidade tóxica.

Aventura, homens, montanha
Homens sobem montanha. Crédito: Pixabay

Por fim, chama atenção o pacto de silêncio exigido dos participantes sobre o que ocorre nos encontros. Do ponto de vista cristão, isso é contraditório, pois o evangelho e seus bons frutos, segundo a Bíblia, deveriam ser anunciados com entusiasmo e não mantidos em segredo, como se fossem um produto exclusivo e caro. Aliás, talvez seja exatamente isso: um produto rentável em um mercado religioso aquecido, no qual compra quem pode e quem quer.

Diante de tudo isso, é difícil imaginar Jesus — tratado por eles como o primeiro Legendário — gritando palavras de ordem, impondo um modelo primitivo de masculinidade e submetendo seus seguidores a rituais secretos nas montanhas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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