O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a demarcar, no RE 684.612/RJ, o alcance do controle judicial sobre políticas públicas, ao definir que a intervenção do Judiciário, em casos de omissão ou deficiência grave do serviço, não viola a separação dos Poderes, desde que se restrinja a apontar finalidades e exigir do Executivo a apresentação de um plano de execução. O precedente, de relatoria para o acórdão do ministro Luís Roberto Barroso, evidencia uma inflexão prudente: a Corte reafirma o dever de tutela dos direitos fundamentais, mas reconhece a necessidade de contenção funcional para preservar a racionalidade administrativa.
A questão não é nova. Desde a Constituição de 1988, a expansão do controle jurisdicional vem tensionando o equilíbrio entre a concretização dos direitos sociais e o espaço discricionário da Administração. O paradigma da efetividade, somado à inércia de muitos entes públicos, induziu a uma crescente judicialização das políticas de saúde, educação e moradia. Ocorre que, em um Estado Democrático de Direito, a jurisdição constitucional não se confunde com a gestão pública: o juiz não substitui o administrador, mas o obriga a agir dentro dos limites que a Constituição traça. O risco contrário seria transformar a função judicial em poder de governo.
O acórdão do STF procura, assim, construir um critério de equilíbrio. Ao afirmar que o Judiciário pode intervir quando a omissão compromete o núcleo essencial do direito, o Tribunal reafirma o papel contramajoritário da jurisdição constitucional. Contudo, ao exigir que a decisão não imponha medidas pontuais, mas apenas metas e prazos a serem implementados pelo Executivo, reconhece que a formulação concreta das políticas públicas é matéria de conveniência técnica e de viabilidade financeira. Essa distinção, longe de ser meramente formal, é o que garante a coexistência entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o da separação de Poderes.
O precedente sinaliza que a maturidade institucional não se mede pela intensidade da intervenção judicial, mas pela capacidade de coordenação entre as funções do Estado. Ao legitimar o controle finalístico e refutar o comando substitutivo, o STF redefine os contornos da responsabilidade estatal sem transmutar o juiz em gestor. Essa é, talvez, a mais delicada missão do constitucionalismo contemporâneo: assegurar a efetividade dos direitos fundamentais sem sacrificar o equilíbrio das instituições.
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