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É pesquisador no Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente do Trabalho na USP, pós-graduado em Direito do Trabalho pela FDV, advogado trabalhista e sócio-fundador da Fabretti & Milhorato Advogados

O que a escolha do nome Leão XIV tem a ver com a dignidade do trabalhador?

Vivemos hoje uma nova era de transformações. Inteligência artificial, robótica, automação e plataformas digitais reconfiguram completamente o mundo do trabalho

  • Bruno Milhorato Barbosa É pesquisador no Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente do Trabalho na USP, pós-graduado em Direito do Trabalho pela FDV, advogado trabalhista e sócio-fundador da Fabretti & Milhorato Advogados
Publicado em 13/05/2025 às 14h28

A escolha do nome Leão XIV, ainda que simbólica, carrega em si um potencial profundo de ressignificação no campo da dignidade do trabalhador. Trata-se de uma evocação direta a Leão XIII, figura central de um dos momentos mais desafiadores da história da Igreja Católica e do mundo ocidental — o fim do século XIX.

O nome é um estandarte que convoca não apenas a memória de uma doutrina social cristã inaugural, mas também nos impõe um espelho sobre os dilemas do presente, especialmente diante da nova revolução produtiva marcada por tecnologias disruptivas.

Leão XIII e a Rerum Novarum: uma resposta à crise da modernidade

Leão XIII assumiu o papado em um momento de extrema turbulência. A monarquia francesa havia sido derrubada. A influência política da Igreja minguava. O liberalismo econômico ganhava corpo e, junto com ele, a miséria dos operários e a degradação das condições de trabalho se tornavam visíveis. É nesse contexto que, em 1891, surge a encíclica Rerum Novarum, considerada a pedra angular da Doutrina Social da Igreja.

Nesse documento, Leão XIII defendeu a dignidade do trabalho humano, a necessidade de um salário justo, o direito à propriedade privada, mas também o dever de solidariedade e o papel moderador do Estado, base dos direitos fundamentais de segunda geração. A encíclica foi uma resposta à desumanização provocada pelo avanço industrial descontrolado — um grito ético no meio da marcha do capital.

Tecnologias Disruptivas e o Homem Invisível

Vivemos hoje uma nova era de transformações. Inteligência artificial, robótica, automação e plataformas digitais reconfiguram completamente o mundo do trabalho. Em meio a esse avanço vertiginoso, o trabalhador parece perder centralidade. Não mais invisibilizado pela fumaça das fábricas, mas por algoritmos, dashboards e fluxos de dados impessoais.

A escolha simbólica de um “Leão XIV” nos convida a repensar: onde está o ser humano nesta nova lógica produtiva? Estaremos reproduzindo um modelo que idolatra a produtividade e o lucro em detrimento da pessoa? A tecnologia deve servir ao homem — não substituí-lo, descartá-lo ou rebaixá-lo.

O Humano como Centro do Propósito

Toda inovação só tem sentido se for capaz de proporcionar uma vida mais digna. Isso implica em reconhecer que o trabalho não é apenas meio de subsistência, mas espaço de realização pessoal, de contribuição social e de construção de identidade. As empresas que ignoram isso correm o risco de se tornarem economicamente eficientes, mas moralmente falidas.

O cardeal americano Robert Prevost, de 69 anos, recém-eleito Papa Leão XIV
O cardeal americano Robert Prevost, de 69 anos, recém-eleito Papa Leão XIV. Crédito: ANDREW MEDICHINI/AP

A utopia do crescimento eterno dos lucros precisa ser revista à luz dos ciclos históricos, da finitude dos recursos e da própria condição humana. A ciência muda, a economia oscila, mas a centralidade da pessoa deve ser o eixo perene da nossa organização social.

Conclusão: um nome como gesto profético

A evocação de Leão XIV, como continuidade simbólica do legado de Leão XIII, é mais que um nome: é um gesto profético. Um chamado à responsabilidade social, à moderação ética frente ao avanço tecnológico e à reafirmação de que o trabalho humano continua sendo um bem inalienável.

Não basta que avancemos tecnicamente. É preciso saber para onde e para quem estamos indo. Se não colocarmos o ser humano no centro, todo progresso será apenas uma ilusão — brilhante, veloz, mas vazia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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