Autor(a) Convidado(a)
É diretor da LR Comunicação. Especialista em gerenciamento de crises e reputação, já passou por TV Globo e Folha de S.Paulo

O problema da Havaianas não é a direita nem a esquerda. É deixar a narrativa solta

Sem nota, explicação e contextualização, a marca deixa o debate aberto, fragmentado e capturado por terceiros. Em crises contemporâneas, silêncio não é neutralidade: vira ausência de liderança narrativa

  • Lucas Rezende É diretor da LR Comunicação. Especialista em gerenciamento de crises e reputação, já passou por TV Globo e Folha de S.Paulo
Publicado em 22/12/2025 às 12h27

Até o momento em que este artigo é publicado, a Havaianas ainda não se pronunciou oficialmente sobre a polêmica que tomou as redes sociais nas últimas horas. E esse silêncio, mais do que a campanha em si, é o principal problema. Em comunicação de crise, quando a marca não ocupa o espaço da narrativa, alguém inevitavelmente o fará por ela. E sem o mesmo cuidado, intenção ou responsabilidade.

episódio teve início com a divulgação de uma peça publicitária estrelada por Fernanda Torres, atriz reconhecida publicamente por posições políticas alinhadas à esquerda e por manifestações públicas nesse campo. O texto da campanha, aparentemente leve, simbólico e conceitual, foi interpretado de formas radicalmente distintas. Para parte do público identificado com a direita, a frase soou como uma provocação política, um ataque indireto e uma tomada de posição ideológica. O resultado foi imediato: críticas, pedidos de boicote e a leitura de que a marca teria cruzado uma linha sensível ao politizar um símbolo popular.

Já para pessoas de esquerda, a campanha foi vista como uma mensagem simples, criativa ou até irrelevante, sem qualquer carga política objetiva. Nesse campo, a reação oscilou entre a defesa da liberdade criativa e a crítica ao que chamaram de exagero interpretativo. Dois públicos, duas leituras legítimas dentro de seus próprios referenciais. O problema não é a pluralidade de interpretações, é a ausência da interpretação oficial da marca.

O vácuo deixado pela falta de um comunicado institucional ocorre justamente em um momento em que a Havaianas segue como um dos ativos mais fortes do mercado brasileiro e global. Trata-se de uma marca com presença em mais de 100 países, forte reconhecimento cultural, alto volume de vendas e enorme capilaridade junto a públicos diversos, do popular ao premium. É exatamente por essa relevância que o silêncio pesa mais. Quanto maior a marca, maior a responsabilidade sobre a narrativa que ela deixa circular.

Diante do cenário, há pelo menos três caminhos possíveis para entender o que ocorreu. O primeiro é que o time de marketing, de forma consciente, tenha optado por uma provocação calculada, apostando na ambiguidade como estratégia de engajamento. O segundo é que a equipe tenha criado uma peça com intenção puramente criativa, subestimando o ambiente polarizado e a leitura política inevitável. O terceiro, mais simples e talvez mais perigoso, é a hipótese da inocência, uma campanha lançada sem o devido mapeamento de riscos reputacionais.

Campanha das Havaianas com Fernanda Torres
Campanha das Havaianas com Fernanda Torres. Crédito: Divulgação/Instagram Havaianas

Sem nota, explicação e contextualização, a marca deixa o debate aberto, fragmentado e capturado por terceiros. Em crises contemporâneas, silêncio não é neutralidade: vira ausência de liderança narrativa.

Marcas não controlam o que as pessoas pensam, mas precisam assumir responsabilidade pelo que comunicam. Em um ambiente saturado de interpretações, polarizações e ruídos, é preciso falar claro. Porque, no fim, em um mar de narrativas, que fiquem com a sua.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Publicidade Marketing Marcas

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.