O verdadeiro ninho do urubu é feito de segurança, amor e cuidado. Machos e fêmeas se revezam, protegem os ovos, alimentam os filhotes, defendem-nos das intempéries e dos predadores. Cada ninho é um abrigo, um espaço de confiança, onde os filhotes crescem fortes e preparados para voar.
Em 2019, fiquei triste e indignado usando minha camisa do Flamengo. Os nossos meninos, jovens promessas do Flamengo, não tiveram um ninho assim. Dormiam em contêineres improvisados, inflamáveis e sem alvará, chamados ironicamente de “Ninho do Urubu”. Ali, 26 garotos buscavam sonhos de glória, e dez deles tiveram suas vidas interrompidas pelo fogo.
Seis anos depois, em 2025, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu os sete réus acusados pelo incêndio. O juiz Tiago Fernandes Barros considerou que “a cadeia causal apresenta natureza difusa, envolvendo múltiplos fatores técnicos e estruturais, o que inviabiliza a individualização de conduta culposa com relevância penal”. Ou seja, embora a tragédia seja reconhecida, não há culpados.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) havia solicitado a condenação de todos, após ouvir mais de quarenta testemunhas, incluindo sobreviventes e ex-funcionários do clube. Alegou que a negligência do Flamengo e de seus responsáveis contribuiu para o desastre. O MP informou que irá recorrer, enquanto o clube não se pronunciou sobre a decisão.
O que nos resta, então, é indignação e memória. Precisamos lembrar e homenagear os meninos que se foram. Eles eram:
- Athila Paixão, 14 anos
- Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos
- Bernardo Pisetta, 14 anos
- Christian Esmério, 15 anos
- Gedson Santos, 14 anos
- Jorge Eduardo Santos, 15 anos
- Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos
- Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos
- Samuel Thomas Rosa, 15 anos
- Vitor Isaías, 15 anos
Cada um deles tinha uma história, uma família, sonhos de futuro. O verdadeiro ninho do urubu protege, educa e prepara os filhotes para a vida. O “Ninho do Urubu” do Flamengo falhou em seu papel mais básico: proteger os garotos.
Enquanto o urubu da natureza cumpre seu instinto de cuidado e proteção, nós, com toda a racionalidade que nos orgulha, falhamos. O país assistiu à tragédia, e agora assiste à absolvição de quem poderia, de alguma forma, ter evitado o desastre. O incêndio foi real; a impunidade também.
Em 2019, fiquei triste e indignado. Em 2025, continuo. Mas o que nos resta é homenagear esses meninos, lembrar de seus nomes, suas idades, seus sonhos interrompidos. Transformar a dor em memória, para que a negligência nunca mais se sobreponha à vida. Os urubus nos ensinam: proteger é um ato de amor. Cabe a nós aprendermos, sem esquecer.
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*Em memória de Athila, Arthur, Bernardo, Christian, Gedson, Jorge, Pablo, Rykelmo, Samuel e Vitor — que jamais serão esquecidos.
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