No comércio exterior, poucos temas são tão desafiadores — e, por vezes, intrigantes — quanto a classificação fiscal de mercadorias.
Tomemos um exemplo clássico: o Crocs. O calçado, que não é exatamente uma sandália de borracha, nem propriamente um sapato impermeável, foi durante anos objeto de debate. Dentre as apurações, por exemplo, se o calçado é inteiriço à sola, o produto está sujeito às normas antidumping, se há parte reunida à sola por costura ou parafusos está excluída a necessidade de pagamento desses direitos.
A NCM aplicada variava, a interpretação fiscal variava, assim como variava, diretamente, o custo do produto. Apenas o que não variou durante quase 10 anos dessa discussão foi a insegurança jurídica do nosso país.
Outro exemplo, igualmente conhecido, é o do bombom Sonho de Valsa. A diferença gira em torno de se tratar tecnicamente de um bombom de chocolate ou de um wafer — biscoito recheado com cobertura, para o qual a alíquota do IPI é reduzida para 0%. O que ensejou mudanças também na composição, proporção de ingredientes e até características sensoriais nos bombons da concorrente: a capixaba Garoto, visando a redução da carga tributária.
O segmento de cosméticos não escapa dessa lógica. Perfume ou água de colônia? A distinção, que para muitos é apenas uma questão de preferência, para a fiscalização é questão de concentração de óleos essenciais, de composição do aroma. Ocorre que nem sequer existe fundamento legal ou técnico que embase esse entendimento, se tratando então, claro, de carga tributária. Considerando apenas o IPI, o imposto é de 27,3% para perfumes e 7,8% para água de colônia.
E o dilema se repete, também, em diversos casos mais recentes, como na definição fiscal de um smartwatch: seria um relógio ou um acessório de telefone (cujo imposto de importação é menor)? Ou ainda no enquadramento de drones: seriam veículos aéreos não tripulados ou câmeras digitais? Tais debates chegam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e a várias instâncias do Poder Judiciário.

O Catálogo de Produtos da DUIMP é uma importante resposta a essa realidade. Ao exigir maior detalhamento na descrição dos itens, ele aprimora a rastreabilidade, melhora a gestão do comércio exterior e oferece maior segurança nas operações.
Mas, naturalmente, convive com a mesma estrutura da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), cujas limitações ainda demandam leitura técnica apurada e interpretação criteriosa.
Quando se fala, por exemplo, na classificação de veículos elétricos, híbridos ou de máquinas industriais de grande porte, é necessário entender, tecnicamente, os critérios que determinam sua natureza: motorização, tecnologia embarcada, funcionalidades, tipos de recarga, processos de fabricação e origem dos componentes — tudo isso impacta diretamente no enquadramento fiscal e nas obrigações decorrentes.
Seja no dilema do calçado que é e não é uma pantufa, seja no veículo cujo enquadramento define incentivos e tratamento aduaneiro, permanece a certeza de que a classificação fiscal é, sempre, um instrumento de tradução — imperfeita, porém essencial — entre a materialidade dos bens e as exigências do ordenamento jurídico.
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