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É advogado, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, conselheiro Federal da OAB e presidente nacional da Comissão de Falência da OAB

Mudanças nas regras de falência: é preciso rapidez, mas sem atropelos

Atualização da legislação falimentar é urgente, mas não pode sacrificar direitos fundamentais em nome da velocidade

  • Luciano Pavan É advogado, doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, conselheiro Federal da OAB e presidente nacional da Comissão de Falência da OAB
Publicado em 13/10/2025 às 14h00

A Lei 11.101/2005, de Recuperação Judicial e Falências, apesar de ter sido alterada em 2020 pela Lei 14.112/2020, já demonstra sinais claros de esgotamento em alguns aspectos diante da complexidade das relações empresariais atuais. É neste contexto, falando aqui especificamente em relação à falência que surge o Projeto de Lei nº 3/2024, uma tentativa de atualizar o sistema, mas também riscos que não podem ser ignorados. Mudanças apressadas ou mal calibradas podem gerar mais insegurança do que soluções.

Um dos pontos centrais da proposta é a substituição do administrador judicial pela figura do gestor fiduciário, eleito pelos credores. A ideia, em tese, parece fortalecer a coletividade dos credores, democratizando as decisões. No entanto, a prática revela riscos evidentes: sem a exigência de formação técnica adequada, abre-se espaço para abusos, especialmente quando credores majoritários dominam a assembleia. O resultado pode ser a marginalização dos credores minoritários e o enfraquecimento do papel do magistrado como garantidor do equilíbrio no processo.

Outro aspecto é a redução de prazos processuais e a dispensa de formalidades em nome da eficiência. É verdade que a celeridade interessa a todos: quanto mais rapidamente se conclui o processo falimentar, maiores as chances de retorno financeiro. Porém, eficiência não pode ser confundida com atropelo das garantias constitucionais. O contraditório e a ampla defesa são pilares do processo falimentar, e qualquer medida que fragilize esses direitos compromete a legitimidade do sistema.

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Processos de recuperação judicial. Crédito: Pexels

Também merece análise a proposta de limitar o mandato e a remuneração do gestor ou administrador judicial. Embora seja compreensível o desejo de conter custos, o engessamento excessivo pode afastar profissionais qualificados, justamente quando mais se precisa de expertise para lidar com situações empresariais complexas. Se a remuneração não for compatível com a responsabilidade e a carga de trabalho, corremos o risco de transformar a falência em um terreno de improviso.

A flexibilização dos prazos para a venda de ativos é outro ponto relevante. Empresas falidas lidam com bens de liquidez variável e, muitas vezes, a demora na alienação corrói o valor que poderia ser revertido em favor dos credores. Nesse sentido, conceder maior maleabilidade pode ser positivo, desde que haja regras claras e supervisão judicial. Afinal, não é a formalidade que garante um preço justo, mas a atratividade da oferta e a transparência do processo de venda.

Talvez a mudança mais sensível esteja na criação do chamado “plano de falência”, a ser deliberado pelos próprios credores. Essa inovação aproxima o instituto da lógica da recuperação judicial, com a vantagem de permitir soluções customizadas para cada caso. Contudo, há um risco evidente de privatização excessiva do processo, transferindo ao mercado decisões que deveriam permanecer sob a guarda do Judiciário. A saída está no equilíbrio: planos podem ser admitidos, mas sempre sujeitos ao crivo do juiz, que deve zelar pela legalidade e pelo interesse público.

Outro desafio surge com as regras de transição para processos já em andamento. A substituição de administradores ou gestores em falências antigas pode trazer novo fôlego, mas também gerar instabilidade. Direitos adquiridos, remunerações pactuadas e atos processuais já consolidados não podem ser simplesmente desconsiderados. Aqui, a aplicação prudente do princípio da segurança jurídica será essencial para que a transição não se transforme em retrocesso.

Em conclusão, a atualização da Lei de Recuperação Judicial e Falências é não apenas necessária, mas urgente. O Brasil precisa de um modelo mais moderno, eficiente e conectado à realidade econômica. Contudo, reformas legislativas devem ser feitas com cautela, ouvindo não apenas os credores, mas também advogados e suas comissões temáticos do CFOAB, magistrados e demais operadores do direito. A pressa pode resultar em injustiças irreversíveis. O caminho é o diálogo institucional e técnico, para que possamos alcançar um sistema falimentar que seja, ao mesmo tempo, célere, justo e seguro.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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