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É acadêmico da FDV

Lucas Paquetá absolvido: quando o processo se torna a própria pena

A decisão final, na qual sua inocência foi reconhecida, não é suficiente para restaurar integralmente sua reputação porque, no imaginário coletivo, o estigma do investigado, do manipulador, do atleta corrompido e tantas outras etiquetas já se cristalizaram

  • Gabriel Petri É acadêmico da FDV
Publicado em 06/08/2025 às 13h41

recente absolvição do jogador Lucas Paquetá, após meses de investigação por suposta manipulação de resultados na Inglaterra, recolocou em pauta um fenômeno recorrente, porém pouco enfrentado com a devida profundidade: o processo, mesmo quando não culmina em uma condenação formal, converte-se em uma pena antecipada, imposta pela opinião pública, pela mídia, pelas instituições e pelo mercado.

Desde que se tornou alvo da Football Association, Paquetá teve sua imagem manchada publicamente, perdeu oportunidades esportivas e foi afastado da Seleção Brasileira. A condenação social foi imediata, quase automática, como se a simples abertura da investigação bastasse para presumir culpa.

A decisão final, na qual sua inocência fora reconhecida, não é suficiente para restaurar integralmente sua reputação porque, no imaginário coletivo, o estigma do investigado, do manipulador, do atleta corrompido e tantas outras etiquetas já se cristalizaram. A reversão institucional não apaga os efeitos simbólicos da pena que ele já cumpriu: a do processo em si.

Sabe-se, por óbvio, que o cenário enfrentado pelo atleta é de um processo administrativo, e não uma acusação de caráter criminal. Não obstante, a analogia é inevitável e urgente. No âmbito penal ou administrativo sancionador, quando os holofotes e microfones são apontados para a figura do investigado/réu, tem-se uma verdadeira antecipação de pena.

O caso do também atleta Daniel Alves escancara a face mais cruel dessa lógica. Antes mesmo do oferecimento de denúncia, o jogador já havia perdido contratos, prestígio e o status pelo qual batalhou em toda sua carreira profissional. Ainda que o processo espanhol tenha avançado até uma condenação em primeiro grau (posteriormente revista em segunda instância), o que de fato importa é o pano de fundo comum entre os dois exemplos mencionados: a espetacularização da persecução.

Quando se permite tal fenômeno, o processo deixa de ser um meio de apuração e garantia de direitos para se tornar um verdadeiro palco de punição pública, onde os direitos fundamentais sucumbem à lógica do clamor popular – um irônico retorno aos suplícios dos tempos medievais, levados adiante em praça pública, para prestar contas à sociedade e para estarrecer os concidadãos.

A comparação com o sistema de justiça penal brasileiro é, portanto, inevitável. Vivemos em uma era em que a simples instauração de inquéritos é utilizada como juízo de valor sobre toda a vida de um cidadão. Não há mais presunção de inocência: há certeza de culpabilidade social, midiática e institucional. Isso não apenas viola o princípio supramencionado, como também transforma o processo penal em um instrumento de sanção simbólica que se inicia desde o primeiro clique na manchete.

Lucas Paquetá é investigado por possível envolvimento com apostas – Créditos: Divulgação/ West Ham
Lucas Paquetá foi investigado por possível envolvimento com apostas. Crédito: Divulgação/ West Ham

É dizer: a punição hoje já se realiza, na prática, muito antes da sentença, mesmo que esta seja absolutória. A ausência de condenação já não mais implica ausência de pena. Como bem adverte a criminologia crítica, o processo penal – ou as estruturas que a ele se assemelham – tem funcionado como instância autônoma de estigmatização. O réu ou investigado já é punido pelo simples fato de sê-lo –talvez não nos autos, mas aos olhos da opinião pública.

O que os casos de Lucas Paquetá e Daniel Alves revelam, cada um à sua maneira, nada mais é do que um problema sistêmico: a corrosão da presunção de inocência pela transformação do processo em espetáculo. A sociedade precisa decidir se deseja um sistema de justiça ou apenas uma máquina de moer suspeitos.

O dano causado pelo processo não se desfaz com a absolvição. Muito pelo contrário: permanece como lembrança incômoda de que, para muitos, ser acusado já é ser culpado – e isso, em qualquer Estado Democrático de Direito, deveria ser inconcebível.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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