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É jornalista e mestre em Comunicação e Territorialidades

Livro de padre Kelder transforma a pregação em escuta, palavra e compromisso

As homilias não foram escritas para impressionar. Elas nasceram de olhos marejados, do silêncio das madrugadas, da escuta de irmãs e irmãos de fé

  • Alexandre Lemos É jornalista e mestre em Comunicação e Territorialidades
Publicado em 02/08/2025 às 10h00

Nem sempre a Palavra se revela em altos brados. Às vezes, ela sussurra. E é nesse tom sereno, mas profundamente enraizado na vida real, que o padre Kelder Brandão vem anunciando o Evangelho. Presbítero da Arquidiocese de Vitória, ordenado em 2000, Kelder percorreu mais de duas décadas de ministério inquieto com um dilema íntimo: como pregar melhor? Como tornar a homilia um gesto mais fiel à Palavra, mais honesto com o povo, mais comprometido com a realidade?

Essa inquietação ganhou contornos práticos em 2015, quando, durante uma celebração ecumênica, ouviu uma belíssima homilia escrita pelo pastor Manoel de Souza Miranda, da Igreja Presbiteriana Unida. Foi ali que o padre católico decidiu: também escreveria suas homilias. E desde então, semana após semana, tem feito desse gesto uma forma de fidelidade à fé, à comunidade e à própria consciência pastoral.

Agora, parte desse material ganha forma impressa. A coletânea de homilias, intitulada “Evangelização nas periferias geográficas e existenciais”, que será lançada neste domingo, 3 de agosto, às 15h, na pracinha de Itararé, em Vitória, é mais do que um livro: é fruto de um caminho de escuta, oração, diálogo e compromisso com os que vivem à margem, seja no território, na condição social ou na espiritualidade.

A publicação foi organizada por um grupo interdisciplinar, que reuniu diversos saberes, ampliando os sentidos e a potência do gesto pastoral. O evento será também um momento de partilha e solidariedade: o valor da obra (R$ 50) terá parte da renda destinada à Campanha Paz e Pão e à Pastoral do Povo de Rua.

As homilias de padre Kelder não foram escritas para impressionar. Elas nasceram de olhos marejados, do silêncio das madrugadas, da escuta de irmãs e irmãos de fé. Inspiradas em vivências comunitárias, no cotidiano duro das periferias e na interlocução com diferentes vozes católicas, evangélicas, femininas, populares, esses textos provocam com mansidão, desinstalam com doçura e despertam sede, como a da samaritana à beira do poço.

Mais do que comentar textos bíblicos, suas homilias iluminam o presente. Falam de ética, justiça, amizade, luto, cuidado, política da esperança e cultura de paz. Não à toa, tocaram tantas pessoas ao longo dos anos. Mensagens recebidas pelo padre vindas de Fortaleza, São Paulo, comunidades locais ou casas de jesuítas idosos revelam o alcance afetivo e espiritual da palavra de Kelder. São leitores que se sentem lavados por suas palavras, despertados para a misericórdia, movidos à ação amorosa e à indignação justa.

Ao se lançar à escrita, padre Kelder não quis ser escritor. Quis apenas ser mais fiel à missão que abraçou. E é exatamente por isso que suas homilias tocam tão fundo: porque são escritas não para serem lidas, mas encontradas. Não para ensinar, mas para partilhar. Um gesto que, como disse alguém que leu seus textos, “reafirma a fé, a esperança e o amor”.

Padre Kelder: “Está em nossas mãos a capacidade de transformar o mundo, da mesma maneira que está em nossas mãos a capacidade de destruí-lo
Padre Kelder: “Está em nossas mãos a capacidade de transformar o mundo, da mesma maneira que está em nossas mãos a capacidade de destruí-lo". Crédito: Divulgação

Escrevo estas linhas com um carinho pessoal que atravessa o texto. Padre Kelder foi quem escutou minha primeira confissão, celebrou minha primeira Eucaristia, concelebrou o rito da minha Crisma, esteve presente no culto de formatura do meu curso de Comunicação Social (Jornalismo) e assistiu ao meu matrimônio. Sua presença sempre foi mais do que ritual: foi cuidado, escuta e compromisso. Para mim, ele é uma grande referência de fé vivida com radicalidade amorosa e integridade pastoral. Suas homilias não só tocam minha espiritualidade, como iluminam caminhos para minha atuação política e minha forma de viver o Evangelho na vida pública.

O livro é uma obra de fé lúcida e palavra encarnada. Um chamado à escuta, à amizade e à construção de novas reflexões, tenho muito orgulho de estar entre os organizadores. Como o próprio autor deseja, que este conjunto de homilias possa provocar em cada leitor o mesmo movimento que as originou: indignação, mansidão, inconformismo e misericórdia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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