O Brasil é uma potência global no mercado da beleza: somos o terceiro maior consumidor do mundo, movimentando cerca de 27 bilhões de dólares em 2024. Ao lado de gigantes e marcas independentes, cresce silenciosamente a produção artesanal de cosméticos — sabonetes, óleos, cremes e perfumes feitos à mão, muitas vezes fora da legalidade sanitária.
Feiras, redes sociais e marketplaces são os principais canais de venda. Estima-se que milhares de pequenos produtores, em sua maioria mulheres, atuem na informalidade, por desconhecimento das normas, falta de recursos ou acesso restrito à regularização.
Como engenheira química especialista em desenvolvimento de cosméticos e empresária do ramo, acompanho esse cenário de perto. É um desafio iniciar um negócio e equilibrar inovação, segurança e viabilidade econômica.
A luta por uma legislação que torne a regularização mais acessível aos pequenos produtores é antiga e teve um avanço com a aprovação, em 29 de maio, da Lei 1281/2022, que isenta cosméticos artesanais de pequena escala do registro obrigatório na Anvisa.
A lei foi sancionada e agora vai passar por regulamentação pela Anvisa, que definirá os critérios, categorias de produtos, rotulagem e outros aspectos técnicos.
Hoje, para vender cosméticos legalmente no Brasil, mesmo artesanais, é necessário produzir em local licenciado (AFE), seguir Boas Práticas de Fabricação (RDC 48/2013), ter responsável técnico, realizar testes de segurança e notificar ou registrar o produto conforme seu risco. A maior parte das marcas opta pela terceirização, que muitas vezes é mais viável do que montar uma estrutura própria. No entanto, para o pequeno artesão, os custos envolvidos e as quantidades mínimas exigidas costumam ser inviáveis.
A nova lei flexibiliza esses requisitos para pequenos produtores, trazendo esperanças e preocupações. Entre os pontos positivos, há o incentivo à formalização de negócios informais, facilitando o acesso ao mercado. A desburocratização também pode reduzir custos com estrutura física, testes laboratoriais e processos de registro — tornando o mercado mais acessível.
Por outro lado, os riscos são reais: sem exigência de notificação, análise técnica e rastreabilidade, abre-se espaço para produtos contaminados, uso inadequado de ingredientes e reações adversas sem possibilidade de responsabilização. Além disso, muitos municípios não possuem estrutura adequada para garantir uma fiscalização eficiente. Sem essa base de dados, como controlar a qualidade, garantir a segurança e apurar irregularidades?
O debate não é ser contra o artesanal, mas como incluir sem precarizar. Países como os EUA já adotam modelos flexíveis, porém com responsabilidades claras e fiscalização. Um bom caminho seria adotar: cadastro simplificado, limite de produção, exigência mínima de boas práticas e rotulagem, capacitação técnica e acompanhamento do responsável técnico.

Regularizar não é burocratizar: é garantir uma competição justa, ética e segura. O Brasil tem a oportunidade de criar uma política que valorize o empreendedorismo artesanal, estimule a economia criativa e preserve a saúde da população. Para isso, é fundamental promover o diálogo entre produtores, consumidores, técnicos e órgãos reguladores.
Na torcida para que a flexibilização seja suficiente para fomentar o empreendedorismo — e firme o bastante para garantir a segurança da população.
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