O crescimento expressivo das demandas judiciais envolvendo a medicina chama atenção. Segundo dados recentes, somente entre janeiro e maio deste ano foram registrados mais de 37 mil casos classificados como erros médicos. Hoje, o país acumula quase 154 mil processos pendentes e outros 31 mil já julgados. Em 2024, o volume de novas ações cresceu 506%, alcançando mais de 74 mil processos.
Diante desse cenário, é fundamental esclarecer: nem todo evento adverso ocorrido em ambiente hospitalar ou clínico configura “erro médico” ou gera automaticamente a responsabilidade civil do profissional. A prática médica, por sua própria natureza, envolve riscos e incertezas que, mesmo diante da melhor técnica e diligência, podem resultar em efeitos indesejados. Esses eventos, conhecidos como iatrogenias ou complicações inerentes ao ato médico, não devem ser confundidos com ilícitos passíveis de indenização.
É crucial separar o que é ilícito (erro médico) do que é complicação inerente ao ato médico. Pela classificação recentemente adotada pelo CNJ — “danos decorrentes da prestação de serviços de saúde” — há erro quando o profissional, por imprudência, negligência ou imperícia, causa dano evitável. A complicação, porém, é um evento possível e previsível mesmo com técnica correta, protocolos observados e cuidado diligente. Na prática clínica, risco zero não existe.
É natural que, diante de um desfecho inesperado, o paciente e sua família busquem respostas. Porém, a diferenciação entre erro e complicação deve ser feita com rigor técnico, a partir de perícia médica imparcial e criteriosa. A banalização da judicialização sem esse filtro gera insegurança aos profissionais, sobrecarrega o Judiciário e, em última análise, compromete a própria assistência em saúde.
No entanto, entendo que o debate deve ser qualificado: é necessário assegurar mecanismos de prevenção, protocolos mais claros de segurança do paciente, valorização das condições de trabalho dos médicos e canais de mediação que possam solucionar conflitos antes da via judicial.
Garantir o direito à saúde não significa punir automaticamente o profissional diante de todo resultado adverso. Significa, sim, distinguir quando houve efetiva falha do médico — situação que exige responsabilização — e quando se trata de risco inerente à ciência médica, que, por mais avançada que seja, jamais eliminará por completo a possibilidade de complicações.
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