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É médica infectologista

ISTs no Brasil são um espelho das nossas desigualdades sociais

Entre essas infecções, o HIV e a sífilis se destacam com números crescentes, especialmente entre jovens. A Aids ainda é responsável por milhares de mortes a cada ano, embora o país tenha alcançado avanços importantes no controle da condição

  • Ana Carolina D’Ettorres É médica infectologista
Publicado em 23/07/2025 às 10h00

As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) seguem avançando no Brasil, revelando não apenas um problema de saúde pública, mas também desigualdades estruturais no acesso à informação, prevenção e tratamento, que afetam principalmente populações vulnerabilizadas.

Entre essas infecções, o HIV e a sífilis se destacam com números crescentes, especialmente entre jovens. A Aids ainda é responsável por milhares de mortes a cada ano, embora o país tenha alcançado avanços importantes no controle da condição. Em 2023, o Brasil registrou a menor taxa de mortalidade por Aids desde 2013 e atingiu 96% de cobertura diagnóstica entre pessoas vivendo com HIV.

No entanto, a prevenção não avança no mesmo ritmo. A Pesquisa Nacional de Saúde revelou que a maioria da população adulta não utilizou preservativo nas relações sexuais nos 12 meses anteriores à pesquisa. Isso contribui diretamente para o aumento de infecções como sífilis, herpes genital e o próprio HIV.

A desigualdade também se reflete no perfil das pessoas mais afetadas. Populações negras, pessoas com baixa escolaridade, indígenas, LGBTQIAPN+ e moradores de regiões com menor acesso aos serviços de saúde continuam mais expostos e menos assistidos. Entre os homens jovens, há uma percepção distorcida de risco. Muitos não se consideram vulneráveis, não falam sobre sexo e não sabem usar corretamente o preservativo.

No caso da sífilis, o aumento dos casos entre gestantes e recém-nascidos revela falhas na prevenção e no pré-natal. Em 2023, o Espírito Santo apresentou uma taxa de detecção de sífilis adquirida de 187,8 casos por 100 mil habitantes, a segunda mais alta do país. A proporção de sífilis congênita em relação aos casos em gestantes também está acima da média nacional.

Apesar dos desafios, há políticas públicas em andamento. O uso de medicamentos antirretrovirais por pessoas não infectadas pelo HIV para reduzir o risco de adquirir o vírus, chamado de profilaxia pré-exposição (PrEP), está disponível gratuitamente no SUS. Trata-se de uma ferramenta eficaz na prevenção do HIV para pessoas com maior risco de infecção. Contudo, seu alcance ainda é limitado pela falta de educação sexual nas escolas, pelo estigma e pelas barreiras sociais.

O Programa Brasil Saudável, lançado em 2023, prevê investimentos para enfrentar doenças determinadas socialmente, como as ISTs. Mas a transformação real exige que as políticas públicas enfrentem, do mesmo modo, as causas da vulnerabilidade, como pobreza, exclusão e desinformação.

Preservativo distribuído na rede pública
Preservativo distribuído na rede pública . Crédito: Divulgação / Ministério da Saúde

O reconhecimento internacional desse esforço é importante. Em 2025, o Brasil assume a presidência do Comitê Executivo da UNAIDS, reforçando seu papel estratégico na articulação global para o enfrentamento da epidemia.

Falar sobre ISTs é abordar a questão da justiça social. É garantir que todas as pessoas tenham acesso à prevenção, ao cuidado digno e à informação de qualidade. Enquanto tratarmos essas infecções apenas como uma questão médica, seguiremos ignorando as raízes do problema.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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