A economia do compartilhamento deixou de ser tendência para se tornar realidade no cotidiano dos brasileiros. Modelos baseados no acesso temporário a bens e serviços, como Uber, iFood, Blablacar e Airbnb, mudaram hábitos de consumo e abriram novas formas de geração de renda. No setor de hospedagem, o avanço é evidente: no segundo trimestre de 2024, as reservas pelo Airbnb cresceram 19% em relação ao ano anterior e já representam 55% do total global da plataforma.
Esse crescimento reflete a busca por custo-benefício e flexibilidade. O turista encontra no aplicativo variedade de preços, localizações diferenciadas e experiências mais personalizadas. Mas, ao mesmo tempo, levanta debates importantes sobre concorrência, arrecadação e segurança. A ausência de regras claras pode transformar inovação em desequilíbrio, especialmente em destinos turísticos que dependem da reputação e da qualidade do serviço para se manterem competitivos.
No Espírito Santo, o tema merece atenção especial. Regiões como Guarapari, Domingos Martins e Pedra Azul observam uma expansão acelerada das hospedagens por aplicativos. Essa oferta alternativa cresce em paralelo a um setor hoteleiro consolidado, responsável por milhares de empregos formais e que alcançou, em 2024, um recorde de mais de quatro mil cadastros ativos no Cadastur, sistema oficial do Ministério do Turismo.
A hotelaria formal cumpre exigências rigorosas: normas sanitárias, trabalhistas, ambientais e de segurança. Além disso, contribui diretamente para a arrecadação de tributos, elemento fundamental para financiar infraestrutura, segurança pública e serviços que beneficiam o turismo como um todo.
Em contrapartida, grande parte das hospedagens por temporada atua fora dessas regras. Sem cadastro obrigatório, recolhimento de ISS ou comunicação a condomínios, cria-se uma assimetria regulatória que favorece a concorrência desleal.
Essa disparidade traz riscos. Em primeiro lugar, o impacto econômico: quando uma fatia crescente da hospedagem migra para a informalidade, há perda de arrecadação e redução da capacidade de investimento público. Em segundo, o impacto social: hotéis e pousadas empregam diretamente trabalhadores com carteira assinada, enquanto muitas locações de curta duração não geram vínculos formais de emprego. Em terceiro, o impacto na imagem do destino: experiências negativas em acomodações irregulares – por falta de segurança, atendimento inadequado ou infraestrutura precária – afetam não apenas aquele imóvel, mas a percepção do Estado como destino turístico.
Não se trata de restringir a inovação ou negar a importância da economia do compartilhamento. O desafio é estabelecer um marco regulatório que garanta isonomia entre os diferentes modelos de hospedagem. Algumas cidades brasileiras já avançaram nesse sentido. São Paulo, Belo Horizonte e Florianópolis, por exemplo, exigem registro dos imóveis, comunicação prévia aos condomínios e recolhimento de tributos municipais. Além disso, há discussões sobre padrões mínimos de segurança e acessibilidade.
No Espírito Santo, é hora de iniciar esse debate de forma técnica e transparente. O turismo é um dos pilares da economia capixaba e não pode ser colocado em risco pela ausência de regras claras. O ideal é buscar equilíbrio: permitir que plataformas digitais continuem oferecendo inovação e diversidade de opções, mas dentro de um ambiente que assegure arrecadação tributária, proteção ao consumidor e condições justas de concorrência com os empreendimentos formais.
A economia do compartilhamento é uma mudança estrutural e não uma moda passageira. Ela traz oportunidades reais, mas também exige responsabilidade. O futuro da hospedagem no Espírito Santo dependerá da capacidade de equilibrar inovação com regulação. Somente assim será possível fortalecer a cadeia produtiva do turismo, preservar empregos, ampliar a arrecadação e garantir que a modernização do setor caminhe junto com a sustentabilidade econômica e social.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.