No livro ‘No Reino dos Fantasmas Famintos’, o médico e escritor Gabor Maté nos convida a repensar radicalmente o modo como compreendemos o uso abusivo de drogas. Para ele, o vício não é um problema em si, mas um sintoma: um grito da alma ferida, uma tentativa desesperada de aliviar dores psíquicas que muitas vezes remontam à infância, à exclusão, ao trauma não reconhecido. “A pergunta não é ‘por que o vício?’, mas sim ‘por que a dor?’”, provoca o autor.
A metáfora dos “fantasmas famintos”, inspirada na tradição budista, refere-se a seres que vagam eternamente insatisfeitos, presos em um ciclo de busca por alívio que nunca chega. É uma imagem potente para compreender aqueles que vivem à margem, consumidos não apenas por substâncias, mas por vazios afetivos, fracassos repetidos, silêncios familiares e violências estruturais. Maté mostra, com rara empatia, que o vício não distingue classe social: pode estar na cracolândia ou no executivo compulsivo por trabalho. Mas é sempre a mesma dor buscando anestesia.
Contra esse sofrimento, o autor critica com veemência as respostas punitivistas e higienistas que predominam nas políticas públicas ao redor do mundo. Propõe, em vez disso, uma abordagem fundamentada na escuta, no acolhimento e na reparação de vínculos — uma política baseada não no medo, mas na compaixão.
É nessa direção que caminha o Espírito Santo com o Programa Rede Abraço - política pública que coloca o indivíduo no centro do cuidado. Lançado em 2013 e reformulado em 2019/2020, o programa tem buscado inspiração nas melhores evidências científicas e diretrizes internacionais. A Rede Abraço entende que ninguém supera um vício sendo empurrado para o fundo do poço, mas sim sendo amparado para reerguer-se com dignidade.
Nos Centros de Acolhimento e Atenção sobre Drogas (CAADs) da Rede Abraço, a escuta qualificada é a primeira etapa do cuidado. Em vez de oferecer uma “receita única”, o programa constrói com cada pessoa um plano terapêutico singular, levando em conta sua história, sua subjetividade e seus desejos.
Para uns, o melhor caminho pode ser o acolhimento em um serviço residencial transitório. Para outros, o tratamento ambulatorial e ou terapias em grupo. Tem-se ainda, a possibilidade de internação em hospitais do SUS e encaminhamentos e atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAADs também atendem e garantem cuidados às famílias.
Além do tratamento para quem já enfrenta o problema do alcoolismo e da drogadição, a Rede Abraço aposta na prevenção desde a infância. O Projeto Horizontes leva informação e cuidado a escolas e comunidades vulneráveis. O Centro de Prevenção Comunitária, inaugurado neste ano no Território do Bem, em Vitória, e as ações de educação sobre drogas nas escolas públicas estaduais integram esse conjunto de estratégias preventivas.
A reinserção social, muitas vezes negligenciada por outras políticas sobre drogas, é tratada como prioridade pela Rede Abraço. Por meio da Unidade de Acompanhamento para (Re)inserção Social (UARIS), os indivíduos são acompanhados na reconstrução de suas trajetórias de vida. Com cursos de qualificação, apoio à retomada dos estudos e incentivo à autonomia, o programa oferece condições reais para que a vida reencontre um novo rumo.
Ao articular prevenção, tratamento e reinserção de forma integrada, humanizada e baseada em evidências científicas, o Espírito Santo demonstra que há, sim, uma alternativa possível — e eficaz — para enfrentar o desafio das drogas. Não se trata apenas de combater substâncias, mas de cuidar de pessoas.
Enquanto muitos ainda tentam vencer a dor com punição, o Espírito Santo escolhe abraçar. E isso faz toda a diferença.
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