Muito me agradaria poder apontar, com segurança, o meio que nos conduzisse à plena solução do grande problema da maldade humana. Fenômeno social dos mais graves e constrangedores, vai aumentando sua importância pelo grande volume da casuística, tão altamente impressionante e progressiva, que afeta a todos, sem distinção.
Todos ficaram chocados com o recente episódio em que um médico, mantendo sua paciente completamente incapacitada e vulnerável, já que a mantinha sob seu exclusivo controle, ministrando sedativos em doses não preconizadas pela literatura médica, contrariando protocolos do Ministério da Saúde e incapacitando-a de resistir, praticou um estupro dentro de um centro cirúrgico e na presença de outros membros da equipe médica.
Engana-se quem imagina que os psicopatas são aqueles indivíduos pouco sociáveis, introspectivos e fáceis de se identificar. Pelo contrário, geralmente são indivíduos com boas credenciais, símbolos de status, carisma, histórias fascinantes e grande talento para identificar e preencher carências emocionais de suas vítimas.
Conquistam a confiança até que a verdadeira face surge, e percebe-se que não sentem remorso nem vergonha ao agir de forma imoral, são indiferentes ao bem-estar alheio, sem freios morais e capazes de pôr em prática qualquer plano, por mais audacioso e imoral que seja.
São indivíduos destituídos de compaixão, de vergonha, de remorsos, de sentimentos de honra e de consciência, não se comovem, são cruéis e perversos.
Se é esse o caso do médico em questão, somente os especialistas poderão apontar, mas o que se percebe, na minha opinião, é que ele supostamente se preparou de forma premeditada, visando à maior facilidade para a prática de seus impulsos criminosos e acesso às suas pacientes.
Formou-se em medicina, especializou-se em ginecologia, mastologia e obstetrícia, ou seja, todos os pacientes entregues aos seus cuidados seriam do sexo feminino, e também se especializou em anestesiologia, como forma de instrumentalizar um meio de impedir a resistência de suas vítimas.
Tal premeditação evidencia que o médico, não só durante os atos praticados, mas também antes disso, na idealização da sua carreira profissional que parece ter sido construída de forma a instrumentalizar seus mais obscenos instintos, gozava de plena capacidade mental, devendo ser considerado, pela justiça criminal, como inteiramente capaz e consciente dos seus atos.
Não nos cabe aqui discutir os critérios biológicos, psicológicos e biopsicológicos do abusador, nem mesmo tecer comentários sobre o artigo 26, do Código Penal, que trata da inimputabilidade dos indivíduos com algum tipo de doença mental; essa análise caberá ao magistrado responsável pelo caso e estará sujeita a considerações de especialistas.
No entanto, não se pode permitir que as repercussões negativas do estupro cometido pelo médico atinjam toda a classe médica, em especial os anestesiologistas. Não se pode generalizar esse ato, vinculando-o à imagem daqueles que até então atuavam incansavelmente na linha de frente do combate à Covid-19. Com isso, utilizo-me das palavras de Nelson Rodrigues:
“E, verdade seja dita, unanimidade e generalização são expressões que dialogam entre si. Quando se generaliza, acata-se comodamente o que sopra o senso comum, e pretere-se a capacidade de construir um argumento original.”
Pelo que se sabe, não agindo de forma corporativista, tanto o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) quanto a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), imediatamente ao tomarem conhecimento dos fatos, providenciaram a imediata suspensão do médico do seu quadro de inscritos e vêm cobrando das autoridades competentes uma punição exemplar.
Atos de violência como os praticados neste caso não podem ser tolerados, especialmente em face das mulheres, devendo o Conselho Federal de Medicina (CFM) dar uma resposta à sociedade, cassando definitivamente o registro profissional desse médico e o impedindo exercer a medicina.
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