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E se eu não conseguir cumprir ou manter um contrato por causa da pandemia?

A resposta não é tão simples e determina a ponderação de diversos princípios do Direito brasileiro.  A extinção da relação contratual deve ser sempre a última opção, privilegiando-se, assim, a sua revisão

  • Alessandra Antunes
Publicado em 01/04/2020 às 16h04
Assinatura de contrato
Como ocorre, na prática, a revisão ou a extinção dos contratos cíveis e/ou empresariais diante dos efeitos da pandemia? . Crédito: Pixabay

O cenário mundial de avanço do novo coronavírus tem intensificado as dúvidas jurídicas da população brasileira. Uma das questões que tem sido muito debatida em torno desta nova realidade vivida pela população é: "E se eu não conseguir cumprir ou manter um contrato por causa dos efeitos da pandemia no país, o que acontece?”.

Sem dúvida, a situação que estamos vivenciando caracteriza força maior e/ou caso fortuito, que “(...) verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir”, nos termos do art. 393, parágrafo único do Código Civil.  

Em tais casos, o Código Civil estipula a regra geral de que a parte inadimplente não responderá pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, exceto se houver expressamente assumido tal responsabilidade (art. 393, CC). É possível, ainda, pleitear a revisão do contrato e até mesmo a sua resolução, a depender das características específicas de cada contratação, em conformidade com os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil.

Neste ponto, vale citar que o governo tem realizado a edição de diversas Medidas Provisórias, com a finalidade de definir as providências específicas a serem tomadas diante da pandemia. Entretanto, até o presente momento, não houve a edição de qualquer Medida Provisória que seja aplicável aos contratos de natureza cível ou empresarial.

Diante disso, questiona-se: como ocorre, na prática, a revisão ou a extinção dos contratos cíveis e/ou empresariais diante dos efeitos da pandemia? A resposta não é tão simples e determina a ponderação de diversos princípios do Direito brasileiro.

O primeiro e talvez o principal princípio que merece menção é o da boa-fé objetiva, que exige um comportamento de lealdade dos participantes contratuais e determina a observância dos denominados deveres anexos, quais sejam, transparência, confiança, respeito, colaboração, cuidado, informação e parceira, entre outros.

Além disso, de acordo com o princípio da conservação dos contratos, a extinção da relação contratual deve ser sempre a última opção, privilegiando-se, assim, a sua revisão.

Importante considerar, também, o princípio da intervenção mínima, que se tornou ainda mais relevante com a promulgação da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13874/2019), e estabelece que somente haverá intervenção estatal nos contratos de forma excepcional, quando absolutamente necessário.

Não se pode deixar de mencionar, ainda, o princípio da força obrigatória do contrato, segundo o qual as cláusulas vinculam as partes e devem ser cumpridas. Ora, não é só porque veio a crise que as partes não precisam cumprir qualquer contrato. Admitir essa possibilidade ensejaria perda da força contratual em cadeia por todo o território brasileiro, causando enorme incerteza jurídica e potencial devastação da cadeia econômica de circulação de bens e serviços.

ACORDO QUANTO ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Diante dos diversos princípios contratuais, recomenda-se, primeiramente, que as partes sempre tentem chegar a um acordo quanto às obrigações contratuais que não puderem ser cumpridas. A situação é crítica para quase todos os setores da economia, de modo que o diálogo e o consenso configuram, portanto, o melhor caminho, sendo o único que afasta os riscos para ambas as partes.

Vale dizer, ainda, que caso não haja acordo, é muito importante que quem não puder cumprir determinada cláusula comunique previamente a outra parte, apresentando alternativas para viabilizar a manutenção do contrato. Por exemplo, caso uma parte esteja impossibilitada de pagar um aluguel, além de informar tal situação, deverá apresentar uma proposta de pagamento, demonstrando, assim, boa-fé contratual. Após, será necessário submeter a demanda ao Poder Judiciário.

Ainda assim, importante considerar que cada caso deve ser analisado isoladamente, pois podem ter sido estipuladas condições específicas em cada contrato. Além disso, a legislação estipula regras especiais para alguns tipos de contrato, o que deverá ser objeto de análise específica.

Por fim, pondera-se que não se deve desconsiderar o histórico da relação contratual e olhar somente para o descumprimento específico que tenha, eventualmente, surgido como consequência da pandemia.

A autora é advogada atuante nas áreas de Direito Civil e Empresarial, com ênfase em contratos. Possui pós graduação em Gestão Tributária e Sucessória pela Fucape e é pós graduanda em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito – EPD.

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