A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, instaurada no Senado em novembro de 2024, expõe a negligência do Estado brasileiro diante de uma questão social sensível e complexa. Com prazo até 14 de junho de 2025, a comissão, presidida pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) e relatada pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), investiga os impactos das apostas on-line no orçamento das famílias brasileiras e a possível associação dessas plataformas com organizações criminosas e lavagem de dinheiro — problemas previsíveis antes mesmo da edição da Lei nº 14.790/2023.
Embora tenha cabido ao Congresso a criação da norma, a CPI surge de forma tardia, quando o setor já provocava danos profundos. A chamada Lei das Bets, sancionada em dezembro de 2023, apresenta regulamentação tímida e atrasada, que falha em estabelecer controles rigorosos de segurança desde o início.
Entre as exigências trazidas pela lei estão sede no Brasil, autorização do Ministério da Fazenda e políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao vício em jogos — obrigações básicas que demoraram a ser implementadas.
Até aqui, a CPI tem servido mais como palco político do que como instrumento efetivo de responsabilização, com a convocação de influenciadores e autoridades. Um dos alvos centrais da investigação é a One Internet Group (OIG), empresa ligada ao popular “Jogo do Tigrinho”, que transferiu R$ 1,7 milhão a uma empresa de fachada registrada em nome de uma faxineira — revelando a fragilidade dos mecanismos de controle no Brasil.
A legislação proíbe apostas por menores de 18 anos e em eventos que envolvam menores, além de prever que os apostadores sejam protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. No entanto, tais previsões são insuficientes frente à complexidade e à arquitetura digital viciantes dessas plataformas. Outras medidas como saques em até 120 minutos e uso exclusivo de instituições autorizadas pelo Banco Central também chegaram tarde para milhões de brasileiros já afetados pelo vício em apostas.
A CPI foi prorrogada por mais 45 dias e planeja convocar personalidades como Jojo Todynho e Gkay, que lucraram promovendo plataformas de apostas. Os números são alarmantes: entre janeiro e agosto de 2024, cerca de 24 milhões de brasileiros perderam dinheiro via Pix para sites de apostas, movimentando entre R$ 18 e R$ 21 bilhões por mês. A CNC estima que mais de R$ 100 bilhões deixaram de ser usados em consumo essencial no mesmo ano.
A CPI também revela a limitação técnica dos parlamentares ao tratar de temas ligados à tecnologia, evidenciando o descompasso entre o avanço digital e a capacidade regulatória do Estado brasileiro. A efetividade da Lei das Bets dependerá de uma implementação séria pelo Ministério da Fazenda e de articulação internacional — pontos nos quais o país tem falhado historicamente.
Em essência, a CPI das Bets simboliza o reconhecimento tardio de um problema social que se consolidou à sombra da omissão estatal. Ao final de seus trabalhos, é pouco provável que a comissão consiga reverter os danos de um mercado que prosperou por anos sem controle.
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