O novo modelo de crédito consignado, autorizado pelo governo federal e garantido pelo FGTS, vem sendo apresentado como uma solução para o trabalhador acessar crédito com juros supostamente menores. No entanto, na prática, essa modalidade é uma verdadeira bomba-relógio para o mercado de trabalho formal no Brasil.
Ao contrário do que se propaga, este não é um crédito saudável. Com juros que giram em torno de 10% ao ano — ainda altos para a realidade financeira da maioria dos trabalhadores —, o consignado com garantia no FGTS compromete diretamente o salário mensal do empregado, que já começa a sofrer descontos assim que contrai a dívida.
O primeiro impacto é imediato: o trabalhador, normalmente, recorre a esse crédito para quitar dívidas acumuladas. Ou seja, não se trata de um empréstimo para gerar patrimônio, investir em educação ou melhorar sua qualidade de vida, mas, sim, para apagar incêndios financeiros. Isso significa que o orçamento desse trabalhador já está estrangulado antes mesmo de contratar o empréstimo.
Com o início dos descontos mensais diretamente no salário, esse orçamento, que já estava comprometido, fica ainda mais sufocado, tornando-se menor e mais insuficiente para atender às necessidades básicas. Isso se transforma em uma verdadeira bola de neve financeira, na qual o trabalhador passa a viver em constante aperto, sem margem para reagir, o que só agrava sua situação econômica e social.
O segundo efeito é ainda mais grave: quando esse empregado perde o emprego — algo cada vez mais comum no Brasil —, seu saldo de FGTS é automaticamente utilizado para abater parte da dívida. Contudo, os juros continuam correndo enquanto ele estiver desempregado. Ou seja, além de perder sua reserva de segurança, ele retorna ao mercado de trabalho com um saldo devedor ainda maior, que continuará sendo descontado assim que conseguir um novo emprego formal.
Esse ciclo gera um problema estrutural: o trabalhador formal, sufocado financeiramente, começa a rejeitar o próprio vínculo formal de trabalho. Afinal, com o salário já comprometido, muitas vezes prefere migrar para a informalidade, onde não sofrerá descontos automáticos. Isso precariza ainda mais o mercado, reduz a arrecadação pública, enfraquece o sistema previdenciário e compromete a sustentabilidade do próprio emprego formal no Brasil.
Em outras palavras, esse modelo de crédito cria um incentivo perverso contra a formalização do emprego no país. Empresas terão cada vez mais dificuldade de manter ou contratar funcionários formais, pois muitos trabalhadores buscarão alternativas fora do regime CLT para escapar dos descontos automáticos.
O resultado é claro: menos empregos formais, mais informalidade, queda de produtividade, aumento de inadimplência, risco à saúde mental dos trabalhadores e prejuízo direto à economia. A roda da economia gira mais lentamente, as empresas vendem menos, arrecadam menos e, consequentemente, também empregam menos.
Se já é difícil formalizar no Brasil, com esse modelo será quase impossível. O consignado FGTS não é uma solução, é um problema disfarçado de crédito acessível.
É urgente que o governo, o Congresso Nacional e as entidades que representam os trabalhadores e os empregadores sentem à mesa para discutir os efeitos perversos dessa modalidade de crédito. Da forma como foi implementado, o consignado com garantia do FGTS mina as bases do mercado formal de trabalho, aprofunda o ciclo de endividamento e empurra milhares de trabalhadores para a informalidade.
Enquanto isso não for revisto, estaremos diante de uma bomba-relógio que ameaça tanto os trabalhadores quanto os empregadores e a própria economia brasileira.
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