O Senado acaba de aprovar um projeto de lei que carrega, em seu cerne, muito mais do que a previsão de um percentual mínimo para mulheres: o PL 1.246/2021, de autoria da deputada Tabata Amaral, de São Paulo, estabelece a obrigatoriedade de que ao menos 30% das cadeiras em conselhos de administração de empresas públicas sejam ocupadas por mulheres — sendo 30% dessas vagas destinadas a mulheres negras e/ou com deficiência.
Trata-se de uma conquista emblemática, construída por uma articulação vigorosa da sociedade civil, com protagonismo de grupos como o Grupo Mulheres do Brasil, Mulheres no Mercado e o Movimento Pessoas à Frente.
Mas qual é, de fato, o peso estrutural dessa medida?
A representatividade da mulher deve ser vista também como reparação.
Não se trata apenas de abrir espaço para que mulheres “também” participem — trata-se de reconhecer que, apesar de serem maioria na sociedade brasileira, as mulheres continuam sendo minoria nos espaços onde decisões centrais são tomadas.
Os dados são contundentes: segundo o IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2024), apenas 16% dos cargos em conselhos de administração, fiscais e diretorias de empresas de capital aberto são ocupados por mulheres.
Em empresas estatais, esse cenário varia — de apenas 18% na Petrobras a 50% no Banco do Brasil, demonstrando um desequilíbrio que não é casual e causal, mas historicamente construído.
A política deve ser uma ferramenta de correção histórica.
A reserva de vagas prevista pelo PL 1.246/2021 não deve ser lida como um gesto de benevolência institucional, mas como um instrumento de justiça reparadora diante de séculos de exclusão e silenciamento das mulheres, sobretudo das mulheres negras e com deficiência, nos espaços de decisão. Representatividade, nesse contexto, não é favor — é correção de rota.
O projeto rompe com a ideia meritocrática descolada da realidade, ao admitir que o talento e a competência existem em abundância entre as mulheres, mas não têm encontrado as mesmas oportunidades para se expressar. Ao legislar pela presença feminina, o Estado não impõe, mas desbloqueia: desativa barreiras estruturais, simbólicas e institucionais que sempre impediram que as mulheres chegassem “por si sós” aos conselhos.
Diversidade não é apenas uma agenda social: é um imperativo estratégico. Estudos globais demonstram que instâncias decisórias compostas por perfis diversos geram melhores resultados, estimulam debates mais ricos, previnem riscos reputacionais e alinham as empresas com as demandas de um mercado cada vez mais atento à governança ESG. A multiplicidade de vozes fortalece a legitimidade das decisões e a sustentabilidade das organizações no longo prazo.
A aprovação do PL 1.246/2021, portanto, é também uma resposta pragmática às exigências contemporâneas de gestão. É, ao mesmo tempo, resposta ética e estratégia econômica.
Ao estabelecer cotas nas empresas estatais, o Brasil cria um novo parâmetro de excelência institucional. Estimula o setor privado a seguir o mesmo caminho e amplia a pressão por mudanças também em conselhos universitários, entidades reguladoras, organismos internacionais e fundações.

Referências geram referências. Ver mulheres em posições de poder não apenas empodera novas gerações, mas ressignifica os imaginários sociais sobre liderança, competência e autoridade.
O PL 1.246/2021 não se limita a alterar percentuais — ele reescreve os termos da inclusão no Brasil. Ele traduz em política pública uma demanda há muito expressa pelas ruas, pelas organizações, pelas mães, filhas, professoras, lideranças comunitárias e executivas que sustentam o país sem serem reconhecidas como parte legítima do seu comando.
Não estamos apenas falando de inclusão — estamos falando de eficiência democrática, de inteligência coletiva e de justiça histórica.
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