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É capixaba, engenheiro formado pelo ITA (Turma de 1989) e membro do Conselho Gestor da OPMbr

Como o pensamento matemático pode evitar a vulnerabilidade social

Quando o jovem não enxerga sentido na escola, quando seus resultados são ruins, quando ele não compreende o que é oferecido, o caminho para a evasão e para a desistência é curto

  • Adauto Caldara É capixaba, engenheiro formado pelo ITA (Turma de 1989) e membro do Conselho Gestor da OPMbr
Publicado em 17/11/2025 às 15h25

O debate sobre a violência e o agenciamento de jovens pelo tráfico de drogas, tão em evidência no Brasil nos últimos dias, costuma girar em torno de questões de segurança pública, políticas de repressão e operações policiais.

A necessidade de dar respostas e de se obter soluções imediatas tende a ofuscar uma outra pauta, que não substitui as ações urgentes, mas também não deve ser esquecida se o objetivo for pensar a mudança e a prevenção a médio e longo prazo: a falta de oportunidades educacionais que alimenta a situação de vulnerabilidade social.

E, nessa dimensão — mais profunda e estruturante —, uma questão ainda menos usual é um convite à reflexão: no contexto educacional, disciplinas como História, Filosofia ou Sociologia parecem ser as únicas a contribuir para a formação do pensamento crítico e para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Pouco se reflete sobre como o ensino da Matemática pode ser de grande importância para transformar essa realidade.

A Matemática é um pilar fundamental para, desde as séries mais iniciais, ajudar na construção do raciocínio lógico, na capacidade de resolução de problemas, na formação do pensamento analítico e na tomada de decisão em meio a situações complexas, podendo representar uma mudança de rumo efetiva — e duradoura — para o país.

A criminalidade nas comunidades cariocas — e em tantas outras regiões do Brasil — não nasce apenas da ausência do Estado ou da desigualdade econômica. Ela também brota da ausência de horizontes possíveis.

Quando o jovem não enxerga sentido na escola, quando seus resultados são ruins, quando ele não compreende o que é oferecido, o caminho para a evasão e para a desistência é curto. E, dessa forma, fica mais fácil fazer escolhas que oferecem resultados imediatos como dinheiro, reconhecimento e pertencimento, mesmo que coloquem em risco a própria vida e a liberdade.

Mudar o rumo das coisas depende, é claro, de ações de governos e da sociedade, em projetos de larga escala, mas, qualquer que seja a solução para tornar o ensino mais conectado à realidade, mais dinâmico e carregado de sentido e objetivos, ela passará pela figura do professor.

E, a partir dessa certeza, criamos a Olímpiada Brasileira de Professores de Matemática do Ensino Médio (OPMbr), que reconhece aqueles docentes que, mesmo que ainda isoladamente e em meio a muitos desafios, conseguem fazer a diferença nas salas de aula do Brasil, a partir da relação profícua com os alunos, das metodologias de ensino e do compromisso com a educação que, de fato, forma e transforma.

São vários exemplos por muitos estados do Brasil nas duas edições já realizadas. Um professor mineiro, que dá aula no turno noturno em um bairro periférico de Belo Horizonte, e foi um dos medalhistas de ouro desta segunda edição, por exemplo, deu um depoimento ilustrativo.

Segundo ele, quando começou o trabalho na região, envolta em problemas sociais graves, nenhum de seus alunos tinha vontade de fazer um curso superior. Hoje, algum tempo depois de iniciada sua jornada, a escola já tem medalhistas olímpicos em Matemática com sonhos que incluem, sim, a continuidade dos estudos.

No Espírito Santo, tivemos, nesta segunda edição, dois professores premiados no interior do Estado. Thiago Cézar de Pádua Rosa (Guaçuí) e Carlos Alberto Afonso de Almeida demonstram no dia a dia o quanto um professor, um livro, uma caneta – e eu tomaria a liberdade de acrescentar o raciocínio lógico e o pensamento analítico que vêm da Matemática – podem mudar o mundo, como bem disse Malala Youssef, que lutou pelo seu direito e o direito de outras meninas à educação, quase à custa da própria vida.

Prova de Matemática - Enem
Prova de Matemática . Crédito: Reprodução

É sobre isso que falamos. Reconhecer e disseminar as iniciativas, além de incentivar para que esses profissionais aprendam ainda mais. Não à toa o prêmio para os medalhistas de ouro da OPMbr é uma viagem de intercâmbio matemático à China, país que tem as melhores notas do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e que erradicou a pobreza apostando na educação STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e em programas de geração de emprego.

A vulnerabilidade é definida pela falta de recursos e estrutura para se ter uma vida digna, mas é também uma forma de desamparo intelectual, entendido como a falta de ferramentas cognitivas e emocionais para lidar com o mundo de maneira autônoma, responsável e crítica.

E essa segunda situação é nosso terreno de combate, por acreditarmos que, a partir dela, caminhamos para transformar também as condições de vida da população, construindo um futuro melhor do que nosso presente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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