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É doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo e professor de Filosofia no Ifes – Campus Venda Nova

Como conviver na sociedade do desempenho que nos adoece?

Essa pressão pelo desempenho é tão grande que nos finais de semana, feriados ou até mesmo nas férias, nos sentimos culpados por sermos improdutivos e por não “estarmos fazendo nada”

  • Edson Kretle dos Santos É doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo e professor de Filosofia no Ifes – Campus Venda Nova
Publicado em 14/01/2024 às 14h00

Caro leitor, sabemos a importância de propósitos em nossas vidas. Viver com projetos e sonhos nos faz ter forças para enfrentar os desafios do cotidiano. No entanto, o problema de nossa época surge quando a cobrança externa e aquela que fazemos em nós mesmos se transforma em angústia e ansiedade.

Desde muito pequenos somos ensinados que devemos estudar, arrumar um bom emprego, ter um carro próprio, entre outras tantas coisas. Saber sonhar é uma forma de viver a tranquilidade numa sociedade que sempre nos obriga “ser” e ter mais.

Para o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, nosso tempo se tornou o século do desempenho. Para o autor, o resultado desse modo de vida tem aumentado doenças como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB).

Com isso, se o Século XX foi chamado pelo pensador francês Michel Foucault da sociedade disciplinar, hoje nos tornamos a sociedade do desempenho. Vivemos cobrando uns dos outros e de nós mesmos uma excelente atuação em tudo: academias, escolas, trabalho e relacionamentos. Todos os bons resultados são oferendas e preces aos deuses Facebook, Instagram e Twitter.

O mais curioso é que nesse cenário o ser humano explora a si mesmo e de forma consciente se torna vítima e agressor ao mesmo tempo. O poder e arrogância humana geraram em nós a grande ilusão de que “tudo é possível”, que “nascemos para vencer”, que “somos especiais”, ou seja, tudo depende de “foco, força e fé”.

Não são esses os muitos slogans que ouvimos nas escolas, fábricas e até igrejas? Tudo isso não são desculpas para nos tornar escravos que odeiam a liberdade e que abraçam cada vez mais as grades da prisão?

Carga mental, cansaço, trabalho, esgotamento
Crédito: Shutterstock

Distante de nós e com a consciência em tantas outras coisas que não nós mesmos, vivemos sempre cansados, melhor dizendo, exaustos, porque nossa mente não desliga nenhum minuto do trabalho, do dinheiro, dos projetos, ou melhor, no desempenho para sermos reconhecidos nesse mundo de aparências.

Essa pressão pelo desempenho é tão grande que nos finais de semana, feriados ou até mesmo nas férias, nos sentimos culpados por sermos improdutivos e por não “estarmos fazendo nada”. Fomos adestrados a pensar que a “vida boa” é apenas aquela quando estamos na atividade, na ação, sempre com a cabeça em alguma coisa que ainda não fizemos. Talvez até mesmo como uma forma de fugirmos daquilo que não temos coragem de admitir: não somos super-homens.

De encontro às certezas desse tempo que vivemos, podemos resgatar o alerta o filósofo grego Aristóteles. Ele nos orienta que encontramos a serenidade na vida especulativa, isto é, naquela intimidade com nós mesmos que somente o pensamento nos proporciona. Isso não significa que a felicidade seja somente possível quando vivemos no isolamento, mas que o saber sobre si mesmo é um excelente caminho na busca pela paz interior.

Nesse mesmo sentido e com os ajustes da doutrina cristã, esse pensamento na Idade Média foi transformado por Tomás de Aquino na ideia beatitude. Na vida terrena ao “buscarmos as coisas do alto” (Colossenses 3, 1), organizamos nossas prioridades e paixões por meio da virtude.

Assim sendo, reduziremos os danos da sociedade do desempenho quando compreendemos que nossas energias psicofísicas não podem ser consumidas pelos afazeres mecânicos do nosso cotidiano. A ação e o espiritual são duas asas que elevam nossa existência apenas quando se equilibram entre si.

Em um país onde de forma errada pensamos que “o sol nasceu para poucos”, ao invés de valorizarmos a solidariedade, somos adestrados enxergar o semelhante como um rival que deve ser vencido a qualquer custo. Estamos “futebolizando a vida”, ou seja, apenas vencer é o que importa. Se ele conseguiu, eu também devo conseguir e nessa sintonia, esquecemos que “cada um é cada um” com suas vitórias, histórias e derrotas. Pensar uma felicidade mais coletiva e menos individualista é uma das alternativas para reduzirmos os impactos negativos da sociedade do desempenho.

Evidentemente que o fazer é importante. Ele nos coloca em movimento e vale ressaltar que não existem apenas pontos negativos em nossa sociedade de produção, o problema na maioria das vezes é o excesso. Talvez isso explica a conhecida frase de Aristóteles: “a virtude está no meio”. Nosso desafio é explicar na prática o que realmente esse equilíbrio quer dizer.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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