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Com tantas falhas, os direitos humanos ainda devem ser justificados

Garantias à vida, à liberdade, à dignidade e á igualdade são conquistas históricas da humanidade. Questionar ou negar a importância desses direitos, nos dias de hoje, é um imperdoável retrocesso

  • Ricardo Goretti
Publicado em 01/10/2019 às 13h52
 . Crédito: Divulgação
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Ricardo Goretti*

Proponho aqui uma reflexão sobre os processos de justificação, reconhecimento e efetivação dos direitos humanos. O método que utilizarei para provocá-la é o exercício da minha própria imaginação, que passo a compartilhar.

Recentemente, me peguei pensando como seria um diálogo entre o cineasta brasileiro José Padilha e o jurista italiano Norberto Bobbio. Esse encontro não poderia acontecer fora do campo da imaginação, por uma razão prática: Bobbio já é falecido.

Padilha é conhecido dos brasileiros. Cineasta, roteirista e diretor de filmes como "Tropa de Elite".

Já Norberto Bobbio marcou sua época com estudos referenciais no campo do direito, história, filosofia e política. Nasceu no início do século XX, na cidade italiana de Turim. Viveu 94 anos, para falecer no início do século XXI.

Em obra clássica intitulada “A Era dos Direitos”, Bobbio afirmou: “o problema fundamental dos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los”. Ele acreditava que que a proclamação dos direitos humanos, por diversos governos, esvaziaria a importância do esforço um dia já exigido em prol da justificação de direitos dessa natureza. O desafio, para Bobbio, passaria a ser a luta pela efetivação de direitos reconhecidos, que no passado já foram questionados ou negados.

Direitos como vida, liberdade, a dignidade e igualdade são conquistas históricas da humanidade, resultantes de lutas que atingiram seus níveis máximos de horror na Segunda Guerra Mundial. Questionar ou negar a importância desses direitos, nos dias de hoje, é um imperdoável retrocesso.

Mas o que o cineasta brasileiro tem a ver com a afirmação do jurista italiano? Explico, lembrando que o encontro entre os dois é fruto da minha imaginação.

O gatilho para a aproximação dos dois foi uma entrevista, na qual Padilha justificou sua mudança do Brasil para Los Angeles, nos Estados Unidos. Na oportunidade, ele afirmou: “o Brasil perdeu a sensibilidade para o absurdo”. Essa frase me marcou. Com enorme desconforto, tive que concordar.

Os direitos humanos foram reconhecidos pela nossa Constituição e ainda não foram plenamente efetivados. Nesse sentido, Bobbio estava correto. Mas será que a justificação desses direitos tornou-se desnecessária no Brasil?

Padilha revela que Bobbio estava errado. Lamentavelmente, os direitos humanos ainda devem ser justificados no Brasil. Com tantos desvios, a violação de direitos passou a ser naturalizada por muitos. Isso nos leva a ter que fazer enorme esforço para justificar o óbvio, como a importância do respeito aos direitos básicos do homem para a preservação da própria condição humana. E que assim seja!

*O autor é professor e Coordenador do Curso de Direito da FDV

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