Como psiquiatra, tenho acompanhado com atenção os avanços que ligam saúde mental e microbiota intestinal. Um recente artigo publicado na revista Nature trouxe um caso bastante tocante: o de Andrew Moseson, que sofria de depressão severa e não respondia aos tratamentos convencionais.
Depois de anos tentando antidepressivos, terapias, mudanças no estilo de vida e até mesmo psicodélicos, ele se submeteu a um transplante de microbiota fecal, um procedimento ainda experimental, e em poucas semanas relatou uma melhora impressionante no humor, na disposição e no bem-estar geral. Continuou usando os medicamentos, mas com uma sensação de clareza mental que ele descreve como um cérebro renovado.
Essa história não é um caso isolado. Estudos em animais têm mostrado que, ao transferir a microbiota de pessoas com depressão para camundongos, os animais passam a apresentar comportamentos similares à depressão. Já ensaios clínicos em humanos, mesmo em estágios iniciais, apontam que a suplementação com probióticos pode ajudar a reduzir sintomas de ansiedade e depressão, principalmente quando usada em conjunto com tratamentos tradicionais.
Há também evidências de que mudanças alimentares, como a adoção de uma dieta rica em fibras e baseada em alimentos naturais, como a dieta mediterrânea, podem favorecer a saúde da microbiota e, consequentemente, trazer benefícios para o humor e para a mente.
Ainda não sabemos com exatidão por que isso acontece, mas a ciência já identificou alguns caminhos prováveis. Um deles é a ligação entre intestino e cérebro por meio do nervo vago. Outro envolve a ação de substâncias produzidas pelas bactérias do intestino, que influenciam nosso sistema imunológico e hormonal. Existe também a hipótese de que essas bactérias liberem metabólitos que afetam diretamente o funcionamento do cérebro.
Apesar de estarmos diante de uma possibilidade promissora, é importante ter cautela. O transplante de microbiota ainda é experimental, e os probióticos, embora acessíveis, não devem substituir o tratamento psiquiátrico convencional. Mas é muito positivo saber que podemos contar com esses recursos como aliados. Eles nos lembram de algo que sempre repito no consultório: cuidar da mente é também cuidar do corpo.
Acredito que o futuro da psiquiatria caminhe para um modelo mais personalizado, onde possamos entender melhor o perfil biológico de cada paciente e, com isso, escolher abordagens mais eficazes e individualizadas. Mas, até lá, nosso dever como médicos é orientar com base em evidências, evitar promessas milagrosas e acompanhar de perto cada passo do paciente, sempre com responsabilidade e ética.
Ver a ciência reconhecendo a importância da microbiota intestinal no contexto da saúde mental é animador. Abre-se um novo horizonte de possibilidades para quem sofre com transtornos como depressão e ansiedade. Mas, antes de tudo, reforça a necessidade de olhar o ser humano de forma integral, considerando corpo, mente, alimentação, sono, relações sociais e tantos outros fatores que influenciam a nossa saúde.
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