
Na penumbra da noite, quando pastores davam conta dos afazeres cotidianos, inesperadamente o céu poetizou boas-novas em lábios angelicais: “Não temas”, disse-lhes o anjo, “trago alegria. Desde as memórias da pequena cidade de Davi vem o menino-Cristo” (Lc 2.10).
Paradoxalmente, o sinal que identificaria o bebê salvador não seria o pináculo do templo, ou o barulho de festins dos luxuosos palacianos, nem mesmo o som de ação de graças dos anciãos nas sinagogas. A solenidade aconteceria em uma manjedoura e ornamentada por panos improvisados, simples como seus pais. O coral celestial anunciou aquele cuja missão já tinha sido cantada por sua mãe: “depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou” (Lc 2.52).
Tal qual irrupção, o palco se desfez, ficando somente a estupefação e o vislumbre dos trabalhadores belemitas. Agora não eram mais pastores, tornaram-se poetas e testemunhas. Transformados, foram em busca do sinal. Não seria difícil encontrá-lo, quem cuida do campo conhece o cheiro de manjedoura. E se era “Deus conosco”, Emanuel, estaria entre pessoas simples.
Ansiosos e corrigidos pela pressa, encontraram José, Maria, o menino-Deus e a manjedoura. Mal chegaram, logo recantaram as cantigas dos anjos, rimaram o espanto, narrativizaram o poema sagrado e testemunharam as vozes ouvidas do céu. Como se recriassem a cena, novamente o tablado onde os seres celestes contracenaram foi montado.
No entanto, as palavras fizeram-se personagens, os verbos atores e as frases o campo. Contextos diferentes, mas reações irmãs: em êxtase ouviram e juntos contemplavam a esperança. Assim, as imagens coladas no coração dos pastores cobriram novos celebrantes. Maria, acostumada com a sombra do Espírito Santo, rapidamente arrumou chaves e guardou tudo no coração.
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Poderia ter sido de outra forma, e talvez se esperasse para essa narrativa mais glamour, pompa, ouro, gente importante, grandes templos, coral imperial e todas as honrarias de quem tem poder. Todavia, a Bíblia coloca o messias entre panos e manjedoura. Anunciado por desconhecidos pastores, de origem simples, vindo dos cantões esquecidos da Galileia, Jesus dá sinal de que celebrar o Natal é também um interdito moral que nos obriga a olhar com a mesma sensibilidade divina os esquecidos do mundo e acolhidos por Deus.
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