A Receita Federal pode impedir médicos de serem empresários?

Se determinado grupo de médicos forma uma pessoa jurídica, dentro do que a lei determina e presta serviços por meio dos contratos firmados com um hospital, por exemplo, isso não poderia jamais ser entendido como operação fraudulenta

Publicado em 05/08/2019 às 17h50
Atualizado em 29/09/2019 às 23h17
 Crédito: Shutterstock
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João Paulo Barbosa Lyra*

É legítima a constituição e autuação da pessoa jurídica formada por sócios-médicos, cujo propósito seja a prestação de serviços médicos? Ou isso deve ser interpretado como uma tentativa de burlar o Fisco, no sentido de recolher tributos com uma incidência menor e mais favorecida do que se fossem tributados na pessoa física? Em números, seria uma diferença de 27,5% na pessoa física para, aproximadamente, 15% na pessoa jurídica.

Ao se entender legítimas tais autuações fiscais, desconsidera-se a pessoa jurídica formada por sócios-médicos e prossegue como se ela não existisse, assim como se não cumprissem seus direitos e deveres, passando a tributar diretamente os médicos como pessoas físicas. Faz um julgamento, assim procedendo, argumentando que aquela empresa fora criada meramente para “fraudar” o Fisco.

E pior: haveria imposição de multa em 150% a pessoa jurídica, com a consequente representação criminal de seus sócios-médicos. Não suficiente, posteriormente, acusa cada um deles, agora na forma de médicos-pessoa-física de não recolherem supostos tributos (no caso o IRPF). E, mais uma vez, cobra multa de 150% dos médicos.

A Constituição Federal esgotou todos os contornos regulatórios tributários, pela qual é evidente que se pode entender que onde não houver regramento, não haverá tributação. Isso traz ao contribuinte segurança jurídica sobre o que incidirá seus tributos, como eles incidirão, pelos quais procedimentos, dentre outras proteções e limites, na medida em que sabem exatamente o que podem ou não fazer.

Assim sendo, se determinado grupo de médicos forma uma pessoa jurídica, dentro do que a lei determina, informa ao Fisco todas as suas operações empresariais pelos meios contábeis e fiscais e presta serviços por meio dos contratos firmados com um hospital, por exemplo, não poderia jamais a Receita Federal entender tais operações como fraudulentas. Há precedente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), recente, respaldando esse entendimento.

Fraude pressupõe dolo, uma conduta com intenção de falsear a verdade dos fatos, hipótese essa, claramente, que não se apresenta na questão acima descrita. É um direito concedido às pessoas físicas juntarem-se em uma pessoa jurídica. É o exercício do direito fundamental à liberdade.

Conclui-se, portanto, que as pessoas jurídicas médicas, formalmente constituídas nos termos da lei, não agiram para ludibriar o Fisco Federal e não podem ser desconstituídas, muito menos seus sócios-médicos penalizados.

* O autor é advogado tributarista, mestre em Direito e especialista em direito tributário

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