Quando a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk ultrapassou o gigante de luxo LVMH para se tornar a empresa mais valiosa da Europa, o mercado de capitais enviou um sinal que transcendia as cotações da bolsa. A "economia da magreza" deixou de ser um nicho estético para se tornar um vetor estrutural de alocação de capital.
No mercado financeiro, estamos acostumados a modelar riscos baseados em juros, câmbio e geopolítica. No entanto, uma nova variável, de natureza bioquímica, está exigindo atenção imediata nas projeções de longo prazo das empresas de consumo: o fenômeno dos agonistas de GLP-1 (como Ozempic, Wegovy e Mounjaro).
Tal fenômeno não deve ser analisado apenas sob a ótica da saúde pública, mas sim como um catalisador de mudança no comportamento de consumo e um novo componente de risco e oportunidade nos resultados financeiros.
Os primeiros tremores dessa mudança tectônica foram sentidos no varejo norte-americano. Executivos do Walmart, ao cruzarem dados de farmácia com o comportamento de compra em supermercados, identificaram uma correlação direta: usuários dessas medicações compram menos unidades e reduzem drasticamente o consumo de calorias.
O impacto no faturamento de empresas de bens de consumo básico (especialmente aquelas dependentes de volumes massivos de guloseimas, salgadinhos e ultraprocessados) é real. Bancos de investimento, como o Morgan Stanley, já alertam que a "share of stomach" (fatia do estômago) está diminuindo, forçando a indústria a rever as projeções de lucros e a pivotar de um modelo de volume para um modelo de densidade nutricional.
Para o estrategista financeiro, os efeitos de segunda ordem são ainda mais fascinantes e revelam a interconectividade da nossa economia. Setores aparentemente desconexos estão refazendo suas contas. Na aviação, analistas da Jefferies estimaram que uma redução média no peso dos passageiros poderia economizar milhões de dólares anuais em combustível — impactando a margem operacional de um setor sensível a custos variáveis.
Por outro lado, o setor de MedTech vê seu público-alvo encolher para dispositivos voltados a comorbidades da obesidade, como apneia do sono. É a renovação radical do mercado operando via bioquímica.
Mas é dentro das empresas brasileiras que o "Efeito GLP-1" começa a desafiar a estratégia das grandes empresas com força total. Dados de inteligência de mercado, como o estudo The Health Effect (Worldpanel by Numerator), já indicam uma mudança tangível no comportamento dos lares latino-americanos. Cerca de 26% já demonstram familiaridade com essas soluções terapêuticas, e a intenção de uso já ultrapassa a barreira dos 10%.
Para a indústria de alimentos e bebidas, o impacto no mix de vendas é mensurável. Observa-se, nos lares adeptos ao tratamento, uma retração superior a 50% no consumo de categorias historicamente resilientes, como bebidas açucaradas e itens de alto teor de gordura. O movimento sinaliza uma troca nas prioridades de consumo: o dinheiro que antes era gasto com guloseimas e compras sem pensar está sendo direcionado para alimentos mais nutritivos e saudáveis.
Para o planejamento estratégico, há uma data crítica no horizonte: a queda de patentes chaves prevista, em tese, para iniciar em março de 2026 no Brasil. A entrada de genéricos e biossimilares tende a derrubar a barreira de entrada do preço, acelerando a capilaridade dessas drogas para além das classes A e B.
A história do consumo nos mostra que a adoção de novas tecnologias, como os smartphones e os apps de delivery, segue um padrão de popularização acelerada. O comportamento da elite econômica de hoje tende a ser o padrão da classe média amanhã. Portanto, assumir que esse é um fenômeno restrito ao topo da pirâmide é subestimar a velocidade de adaptação do mercado brasileiro.
Esse cenário impõe um dilema estratégico para o C-Level. Empresas cujo valor de mercado depende de volumes crescentes de produtos hipercalóricos enfrentam um risco de obsolescência de portfólio. A nova "hierarquia de consumo" privilegia a intenção sobre o impulso. Setores de proteínas, suplementação e produtos naturais tendem a capturar o valor perdido pelas categorias tradicionais.
Além disso, os efeitos colaterais econômicos são sistêmicos, aterrissando na complexa equação de sinistralidade nos planos de saúde corporativos, onde o custo presente do tratamento compete com a economia futura na prevenção de doenças crônicas. É um cálculo atuarial que precisa ser feito agora.
Estamos diante de uma alteração no motor metabólico do consumo. O "Efeito Ozempic" é um lembrete contundente de que riscos financeiros podem surgir de onde menos se espera. A pergunta que deve ser feita nos comitês executivos não é se a tendência vai pegar, mas se a companhia possui agilidade suficiente para adaptar seu modelo de negócios. Em um mercado onde a saciedade é quimicamente induzida, vencerá quem oferecer valor real, e não apenas volume.
A revolução começou na farmácia, mas a conta (e o lucro) será apurada nas planilhas e balanços.
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