O Brasil se aproxima de 2026 em um clima político de incerteza que deveria preocupar, sobretudo, o campo conservador. A direita, que saiu robusta das urnas em 2018 e manteve protagonismo a partir 2022 apesar da vitória de Lula, chega a esta nova etapa mais fragmentada do que nunca.
As feridas internas do bolsonarismo expõem um movimento incapaz de produzir consensos, pressionado por novas lideranças. A sentença do STF, que reforçou a rejeição ao ex-presidente entre os eleitores de centro, é um divisor de águas: pesquisa Datafolha do último domingo (14) revela que 54% dos pesquisados são contra a anistia e 39%, a favor. Em agosto, o mesmo instituto mostrou que 58% dos brasileiros apoiavam a decisão que barrou Bolsonaro.
Esses números sinalizam um desgaste profundo no campo da direita. Ainda que o ex-presidente conserve um núcleo duro em torno de 25% a 30% de apoio nacional, a rejeição crescente dificulta alianças e alimenta disputas internas. O resultado é um cardápio de pré-candidaturas de centro-direita que, somadas, poderiam ultrapassar a barreira dos 45% das intenções de voto, mas que isoladas mal chegam a 30%. Em eleições presidenciais ou de governo, a lição é simples: quando muitos líderes competem pelo mesmo espaço, ninguém vence.
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O Espírito Santo é um laboratório perfeito dessa armadilha. Três nomes de peso se movimentam para disputar o mesmo eleitorado de centro e direita. Arnaldinho Borgo (sem partido), Lorenzo Pazolini (Republicanos) e Ricardo Ferraço (MDB) ciscam os votos do campo mais à direita do espectro político. Nenhum deles se mostra afeito a formar uma aliança com o PT, que mantém um patrimônio eleitoral de aproximadamente 15% dos votos — índice que se repetiu em quase todas as eleições estaduais das últimas décadas.
Durante o encontro estadual do Partido dos Trabalhadores no último domingo, o deputado federal Helder Salomão foi alçado como potencial pré-candidato ao governo, reacendendo a chama petista. Palanque dileto para Lula e o senador Fabiano Contarato, que concorrerá à reeleição. Com uma base fiel e disciplinada, a esquerda não precisa crescer para ser competitiva: basta esperar a direita se engalfinhar. Quinze por cento bem organizados podem ser suficientes decidir a eleição como fiel da balança.
Esse quadro capixaba é um espelho do Brasil. Enquanto Ferraço, Pazolini e Arnaldinho travam uma antecipada disputa pelo eleitorado conservador e moderado, a esquerda joga com a carta que tem: a fidelidade. Assim como o PT nacional, que mesmo com índices de aprovação modestos mantém coesão e estratégia, Helder Salomão surge como a peça que pode transformar minoria em poder (de barganha ou de mero incômodo).
Em um ambiente em que a rejeição ao bolsonarismo cresce — 55% dos brasileiros, segundo a Quaest, dizem não votar de forma alguma em candidatos ligados a Bolsonaro —, a simples dispersão do campo conservador pode ser suficiente para garantir à esquerda uma vaga no segundo turno, a depender do poder bélico-eleitoral de dois dos três candidatos da lista principal.
A lição é dura, mas clara: a direita que se orgulha de ser maioria corre o risco de reviver a máxima de Tancredo Neves, segundo a qual “quem tem muitos candidatos não tem nenhum”. Se as lideranças conservadoras não encontrarem um caminho de convergência, continuarão oferecendo de bandeja ao PT aquilo que a esquerda sozinha não conseguiria conquistar: a chance real de voltar ao poder, não por força própria, mas pela imprudência dos adversários. O Espírito Santo apenas antecipa, em escala regional, o que pode ser o enredo de 2026 em todo o país.
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