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Lei de Abuso de Autoridade vai restringir a atuação da Justiça?

Lei de Abuso de Autoridade vai restringir a atuação da Justiça?

Projeto de lei foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e precisa passar pela análise do presidente Jair Bolsonaro, que vai sancionar ou vetar parcialmente o seu texto

Publicado em 1 de setembro de 2019 às 00:08

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(Amarildo)

 

Um presente de grego para a sociedade

Pedro Ivo de Sousa é presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP), promotor de Justiça e professor da Ufes

Durante a famosa Guerra de Troia, contada por Homero em “Ilíada” e “Odisseia”, os gregos, como parte da estratégia para conquistar a cidade de Troia, “presentearam” os troianos com um grande cavalo de madeira, por eles entendido como um símbolo de vitória, que foi carregado para dentro das muralhas da cidade, sem saberem que dentro dele se escondiam inimigos, que, à noite, agiram para permitir a entrada do exército grego em Troia, levando, finalmente, a cidade à ruína.

Apesar de serem eventos bem distantes no tempo, não é difícil relacionar a tragédia troiana com o movimento político do Projeto de Lei nº 7.596/17, que trata da criação da nova lei de crimes abuso de autoridade, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e que, agora, espera pela análise do presidente da República para sanção ou veto do seu texto, ainda que parcial.

Assim como no evento de Troia, a saga do Projeto de Lei nº 7.596/17 revela uma ação desenvolvida num contexto de conflito social e utilizada estrategicamente para derrotar o inimigo, em que se emprega um discurso não verdadeiro para que a derrota do adversário possa ser obtida às escondidas.

A Guerra de Troia atual é exatamente o combate à corrupção que vivemos no país, em que, claramente, existem grupos opostos que, diuturnamente, colocam-se em luta favorável e contrária às práticas de corrupção tão arraigadas no Brasil.

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O que a sociedade pediu? Maior combate à corrupção! O que o Congresso Nacional está entregando? Maior punição a quem combate a corrupção

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Esse projeto de lei, outrossim, nada mais é que uma tentativa clara e evidente, como já admitida por alguns, de derrotar estrategicamente a ação daqueles que tentam combater a corrupção neste país e que não querem que esse combate continue atingindo os seus interesses.

O Cavalo de Troia hoje é apresentado, por seus defensores, com um discurso de verdadeiro “presente” para o cidadão, como forma de conter o excesso de todas as autoridade públicas que abusam de poder, quando, na verdade, como é de fácil leitura do seu texto, trata-se de um projeto que somente consegue atingir policiais, membros do Ministério Público e da Magistratura, com criação de crimes que violam os mais diversos e sagrados princípios do direito penal, pela sua desnecessidade e inadequação.

Para conseguir obter sucesso, é claro que seus articuladores não poderiam agir de forma diferente que os troianos, pois fizeram a tramitação do projeto acontecer em tempo surpreendente na Câmara (cerca de 24 horas da votação da urgência até a aprovação do projeto no plenário), garantindo-se a aprovação com a votação simbólica, e não nominal.

O mais impressionante de tudo isso é a postura do Congresso Nacional. O que a sociedade pediu? Maior combate à corrupção! O que o Congresso Nacional está entregando? Maior punição a quem combate a corrupção. E os projetos de lei apresentados para maior e melhor combate à corrupção? Desfigurados ou parados. Quem perde com tudo isso? Todos nós! Isso, sim, é um verdadeiro presente de grego para a sociedade brasileira!

Grandes poderes e grandes responsabilidades

José Carlos Rizk Filho é advogado, professor e presidente da OAB-ES

“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Essa famosa frase retrata com simplicidade um pilar do Estado Democrático de Direito: quem tem poder deve ser controlado na mesma intensidade, sob pena de se resvalar na tirania. A Lei de Abuso de Autoridade em vigor é de 1965, e a passagem desses mais de 50 anos, aliada ao surgimento de novos comportamentos criminosos, são suficientes para justificar a sua atualização. O exercício do poder por todas as autoridades públicas deve se submeter aos limites impostos pelas regras constitucionais.

O combate à corrupção ou a qualquer outro crime não pode se dar por meio de ações de autoridades públicas que potencialmente violam os direitos individuais dos cidadãos, sejam elas quem forem. Não faz sentido proteger direitos violando-os.

A tese de que a lei poderia provocar a perseguição de juízes, promotores e policiais, prejudicando o combate à corrupção no país e gerando impunidade aos “criminosos”, torna a discussão rasa e apela para o senso comum.

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Teremos uma maior segurança jurídica, porque todas as autoridades públicas terão que aprimorar a qualidade da sua atuação

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A lei estabelece que eventual crime de abuso de autoridade somente ocorrerá caso o agente pratique o ato com comprovada vontade e consciência no intuito de prejudicar alguém, beneficiar a si ou a outra pessoa, ou até mesmo por mero capricho e satisfação pessoal. Ou seja, somente será aplicada a péssimas autoridades que assim indevidamente vierem a comportar.

Com o objetivo de auxiliar a aplicação da lei, o legislador dispõe que a “divergência na interpretação da lei ou na apreciação dos fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. Isso isenta de qualquer responsabilização a autoridade pública que exerce corretamente suas funções, dentro dos aspectos estritamente técnicos.

Registre-se ainda que a eventual ação de abuso de autoridade será proposta pelo Ministério Público e será julgada pelo Judiciário, e na maioria dos casos em Tribunais Colegiados, pois as autoridades, em sua maioria, possuem prerrogativa de foro. Então, a tese de eventual perseguição a autoridades somente poderia ocorrer com a anuência do Ministério Público e do Judiciário, o que se mostra improvável.

Não existem preocupações, bastando que autoridades públicas respeitem a dignidade das pessoas e os valores fundantes da CF/88, tendo sua atuação jurídica justa, equilibrada e protetora dos valores republicanos. O que será repreendido pela lei é a ideia de algumas autoridades de punir a qualquer preço, com desrespeito a valores constitucionais e legais. Isso não será tolerado!

A lei concede a certeza, a segurança e a garantia de que os cidadãos estão protegidos e que serão julgados tão somente pelas leis, e não submetidos à boa ou à má conduta das autoridades que as aplicam.

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Na verdade, teremos uma maior segurança jurídica, porque todas as autoridades públicas terão que aprimorar a qualidade da sua atuação, a fim de evitar que abusos e ilegalidades sejam cometidos. Toda lei que sirva para elevar a ética da responsabilidade pública, objetivando impor maior responsabilidade no exercício da função desempenhada pelas autoridades públicas, merece elogios. Bem-vinda, nova Lei de Abuso de Autoridade! Esperamos ansiosamente pela sua chegada.

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