Por muito tempo prevaleceu a ideia de que completar 60 anos significava caminhar para o fim da vida produtiva. Mas isso tem mudado, e essa geração não se limita mais às dificuldades que a idade impõe. É o que prova um grupo de mulheres de Ibiraçu, no Norte do Espírito Santo. Após criarem suas famílias e se verem diante da solidão e até da depressão, elas encontram no balé clássico o caminho para socializar, botar o corpo em movimento e melhorar a saúde física e mental.
Maquiadas e paramentadas com saia e sapatilha, elas caminham uma vez por semana até a sede da Associação Amigos da Justiça para participar das aulas, como conta a professora Lucilene Nascimento Aires Rosa.
“O projeto, atualmente, atende 24 meninas – eu chamo de meninas! O objetivo é proporcionar fortalecimento muscular, porque o balé trabalha toda esta parte: equilíbrio, socialização, flexibilidade. Traz memorização. Então, trabalha toda essa movimentação”, contextualiza.
Lucilene Nascimento Aires Rosa
Professora de balé clássico
Trabalhar com essa faixa etária tem sido uma experiência fantástica, de poder ver elas realizando o sonho de se sentirem bailarinas mesmo com tanta idade. Porque ainda existe preconceito. Mas o balé não é só para criança, é para quem quiser dançar
Uma das alunas é a aposentada Emília Alves dos Santos, de 76 anos. Ao longo da vida, já sofreu três Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e começou a participar das aulas para sair do sedentarismo. “Vivi e renasci de novo, porque o pessoal aqui é muito bom. Parece que estou no céu! Nossa mãe! Nunca esperava que ia fazer isso na minha vida."
Outra aluna que não perde a aula é Leida Isabel Gomes de Lima Nascimento, de 52 anos. “Comecei por causa da minha mãe. Ela estava começando a ter depressão, porque a gente tinha perdido o papai. Fiquei com medo. Procurei o Amigos da Justiça e tentei incluir ela nas oficinas. E a primeira que ela se encantou foi balé. Na época, ela tinha 83 anos. Fiquei entusiasmada de ver a vontade dela de aprender. Ia empurrando, porque ela chegou a ficar muito depressiva. Não andava direito, não tinha coordenação motora. E o balé ajudou demais. Ela desenvolveu bem e hoje está com 86 e ainda faz balé com a gente”, celebra.
Leida Isabel Gomes de Lima Nascimento
Dona de casa
A dança, para mim, é também um desafio, porque, quando comecei, já tinha problema de coluna e feito cirurgia nos dois joelhos. Hoje me sinto muito bem fazendo balé e quase não tenho aquelas dores que tinha antigamente
Os benefícios do balé para o corpo também foram notados por Ivonete Neres dos Santos, de 59 anos, que sentiu as dores desaparecerem após ingressar no projeto.
“Passei uma vida difícil. Tinha muita dor no corpo e agora passei a ter outra vida, porque a minha mãe faleceu. Acabaram aquelas coisas que eu tinha, os pesadelos. Era um sonho estar aqui e realizei. Tinha um sonho de botar minha filha para fazer balé. Só que eu morava na Bahia, não tem essas coisas lá. Conheci pessoas novas. Eu não tinha vida dentro de casa, vivia presa. Tinha ansiedade e depressão.”
Para a cuidadora de crianças Ana Lúcia Santos do Nascimento, o benefício veio na possibilidade de socializar. “Muito feliz e alegre com as amizades, a professora, só agradecer”, celebra.
O professor do Departamento de Clínica Médica Roni Chaim Mukamal, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ressalta que, com o avançar da idade, o corpo e a mente mudam, o que não significa que não possam continuar ativos e funcionais.
“A gente vê que há um preconceito do próprio idoso, da pessoa que está envelhecendo, além de toda a sociedade, em relação a essas mudanças do corpo. A gente precisa realmente se aceitar como a gente é e não ter vergonha de sair, estar nos ambientes, naqueles também que vão ter jovens. É importante socializar com pessoas da própria idade, porque isso é muito rico, e também, por que não, socializar com pessoas mais novas. Essa troca de geração é sempre benéfica. É uma relação é muito rica."
Roni Chaim Mukama destaca que a expectativa de vida tem aumentado e, com isso, é fundamental participar de atividades que mantenham corpo e mente ativos em busca de um bom envelhecimento.
Roni Chaim Mukamal
Professor do Departamento de Clínica Médica da Ufes
Hoje não dá mais para olhar e falar com uma pessoa idosa que ela está no fim de vida. Tanto que se questiona a própria idade. Qual é a idade para se dizer que a pessoa é idosa, já que a gente tem essas pessoas, por exemplo, entre 60 e 70, que muitas vezes estão bem de saúde e estão bem, fazendo tudo
A associação atua em 21 municípios capixabas com 121 de projetos e beneficiou mais de 383 mil pessoas no Estado até 2024. Com 183 colaboradores, a instituição já formou parcerias com 44 empresas, com o objetivo de impulsionar as atividades sociais.
Um desses parceiros é a cooperativa de crédito Sicoob Conexão, que apoiou o balé da terceira idade por meio de dois editais consecutivos, entre 2023 e 2024.
“O projeto oferece aos idosos um espaço de convivência, saúde e autoestima, ao mesmo tempo em que inspira famílias e a própria comunidade. Essa iniciativa tem toda sinergia com nossa atuação e é gratificante saber que essa parceria contribuiu para uma vida mais ativa e significativa, valorizando a cultura e a longevidade com qualidade”, destaca a diretora Operacional do Sicoob Conexão, Michelle Manzoli.
Michelle Manzoli
Diretora Operacional do Sicoob Conexão
Acreditamos que apoiar projetos sociais é uma forma de fortalecer quem já transforma vidas nas comunidades em que atuamos e esta atuação está prevista no 7° princípio cooperativista, que é o envolvimento com as comunidades. Está no nosso DNA
O edital da cooperativa destina recursos a instituições sem fins lucrativos e acompanha de perto os resultados. Ao longo dos últimos anos, foram destinados R$ 20 milhões a diferentes projetos, com impacto direto na vida de 500 mil pessoas. Para 2025, a expectativa é que sejam doados R$ 5 milhões.
Terceira idade socializa e movimenta o corpo em aulas de balé promovidas por projeto social em Ibiraçu, no Norte do Espírito Santo
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