Publicado em 29 de junho de 2024 às 09:00
A diretora do Centro Washington de Pesquisa e Controle do Peso, Domenica Rubino diz que tem se sentido frustrada nos últimos três anos com o aumento da percepção de que os medicamentos que promovem a perda de peso – como o Ozempic e Wegovy, da Novo Nordisk, e o Mounjaro, da Eli Lilly – seriam curas permanentes da obesidade.>
"A obesidade não é como uma infecção, quando você toma antibióticos e pronto", suspira ela. "Ela não é diferente da hipertensão, do diabetes ou das muitas outras doenças crônicas que enfrentamos. Você precisa de medicamentos de uso contínuo".>
Nos últimos três anos, a chegada de uma nova classe de medicamentos conhecidos como agonistas de GLP-1 – conhecidos pela sua capacidade de imitar a ação do hormônio intestinal GLP-1 natural, que promove a saciedade – transformou o setor de perda de peso.>
Inicialmente, a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou o Wegovy (o nome comercial do remédio baseado em GLP-1 chamado semaglutida) para gestão crônica do peso, em junho de 2021. No Brasil, o medicamento foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em janeiro de 2023 para tratamento de obesidade e diabetes.>
>
A demanda insaciável por este tipo de medicamento fez com que o Mounjaro, ou tirzepatida, chegasse ao mercado no final de 2023. E, agora, uma substância mais nova e supostamente mais eficaz, chamada retatrutida, está em fase de preparação. Sem dúvida, os medicamentos análogos aos baseados em GLP-1 são eficazes para ajudar as pessoas a perder peso.>
Um estudo clínico fundamental sobre semaglutida, publicado em 2021, concluiu que os participantes experimentaram, em média, 15% de perda de peso ao longo de 68 semanas. Já os pacientes que receberam placebo perderam apenas 2%.>
Mas algumas pessoas que tomaram a medicação chegaram a perder até 20% do seu peso inicial. E os supostos benefícios à saúde, agora, parecem ser ainda mais abrangentes.>
Os últimos dados de um estudo chamado Select, publicado em 2023, demonstram que a semaglutida pode reduzir o risco de ataques cardíacos e AVCs em 20%, em pacientes com histórico anterior de doenças cardiovasculares.>
Mas, considerando seus altos preços – um mês de Wegovy custa US$ 1.350 (cerca de R$ 7,3 mil) – e os sérios efeitos colaterais, que podem incluir náuseas, azia e dores de estômago, a questão sempre foi: o que acontece quando as pessoas param de tomar as medicações?>
Diversos estudos tentaram examinar esta questão específica e todos parecem indicar a mesma resposta: os quilos perdidos retornam rapidamente.>
Em um estudo, cerca de 800 pessoas receberam injeções semanais de semaglutida, acompanhadas por ajustes da alimentação, um regime de exercícios prescrito e aconselhamento psicológico. Todos estes fatores, em conjunto, ajudaram os participantes a perder cerca de 11% do seu peso inicial ao longo de quatro meses.>
Mas, quando um terço dos participantes passou a receber injeção de placebo por mais um ano, eles ganharam novamente 7% do peso perdido. A mesma tendência foi observada após o teste de 2021, conhecido como Etapa 1.>
Após 68 semanas de injeções de semaglutida, o paciente médio perdeu mais de 15% do seu peso do corpo. Mas, em 12 meses após o final do tratamento, os pacientes recuperaram, em média, dois terços do peso que haviam perdido anteriormente.>
Este resultado foi associado a um nível similar de reversão para os níveis originais dos pacientes, em alguns dos seus indicadores de saúde cardiometabólica – uma categoria que inclui condições como diabetes e ataques cardíacos.>
Rubino e outros especialistas em várias partes do mundo observaram padrões semelhantes ao administrar medicamentos similares ao GLP-1 nas suas clínicas.>
"Haverá uma pequena parcela das pessoas, 10% no máximo, que consegue manter [todo] o peso perdido", afirma o professor de medicina clínica Alex Miras, da Universidade de Ulster, no Reino Unido.>
A trajetória de recuperação do peso, normalmente, é mais rápida do que a perda de peso inicial, segundo Miras. "As pessoas recuperam a maior parte nos primeiros três a seis meses", explica ele.>
Miras e outros pesquisadores fazem questão de enfatizar que isso deveria ter sido esperado. Afinal, para todas as doenças crônicas, da artrite reumatoide à asma e pressão alta, os pacientes normalmente recaem assim que suspendem seu tratamento.>
Mas compreender por que isso acontece com semaglutida, tirzepatida e outros medicamentos análogos ao GLP-1 poderá ser fundamental para conhecer suas consequências de longo prazo e saber como melhor receitar esses medicamentos no futuro.>
A principal teoria sobre o motivo que leva a maior parte dos pacientes a recuperar seu peso com tanta rapidez quando param de tomar a medicação defende que as regiões do cérebro relativas ao apetite ainda estão desreguladas, o que leva as pessoas a consumir alimentos em excesso.>
Os medicamentos análogos ao GLP-1 simplesmente mascaram essa desregulagem e, quando seu efeito é removido, os desejos das pessoas por alimentos retornam rapidamente. "As pessoas nem sempre gostam disso", conta Rubino.>
"Tento explicar que são medicamentos de uso contínuo, mas acho que todos pensam, secretamente, 'sim, mas você sabe que sou diferente e, quando atingir o peso que desejo, tudo bem'. Mas a realidade é que o cérebro é muito poderoso".>
Esta pode não ser a única explicação. O professor de medicina metabólica Martin Whyte, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, explica uma possível teoria sobre a tendência das pessoas de recuperar o peso depois de suspender as medicações.>
Segundo ele, as doses de GLP-1 fornecidas por semaglutida e tirzepatida são muito mais altas do que o corpo espera receber naturalmente. E estas doses podem suprimir a capacidade do corpo de secretar GLP-1 por si próprio.>
O resultado é que a fome das pessoas pode retornar, até com mais voracidade, quando elas interrompem suas doses, explica o professor. "O que pode acontecer – e não sabemos ao certo – é que, quando você suspende as medicações, seu corpo fica com déficit de GLP-1, o que causa grande impacto aos sinais de saciedade que vão para o cérebro", afirma Whyte.>
As possíveis consequências fisiológicas dessa recuperação de peso são atualmente as maiores preocupações de saúde para os médicos especializados neste campo.>
Em um estudo, os participantes que passaram a receber injeções de placebo não só começaram a reacumular gordura do corpo, mas a sua cintura também começou a retomar o seu tamanho original. E o excesso de gordura nesta região também está relacionado a inúmeros problemas, que variam de doenças cardíacas até a resistência à insulina e a doença do fígado gorduroso (esteatose hepática).>
Miras afirma que muitas pessoas que recuperam seu peso após o término da medicação ou dieta sofrem alterações da sua composição corporal, que podem ser até piores para sua saúde a longo prazo do que se tivessem simplesmente mantido seu peso inicial.>
"A recuperação do peso é normalmente acompanhada por acúmulo de gordura e redução dos músculos", explica Miras. "Por isso, você acaba voltando a ter maior massa de gordura e menor massa muscular.">
"Isso não é bom do ponto de vista metabólico, pois ter mais músculos é bom para reduzir o risco de diabetes e doenças cardíacas.">
Mas ainda não existe nenhuma evidência direta de que a composição corporal de uma pessoa seria pior depois de suspender as medicações para perda de peso do que antes de iniciá-las.>
Embora estas sejam as tendências gerais, a reação às medicações análogas ao GLP-1 pode variar muito de um indivíduo para outro.>
Para começar, nem todos se beneficiam das medicações. O estudo clínico de semaglutida realizado em 2021 concluiu que quase 14% dos participantes perderam menos de 5% do peso do corpo, mesmo depois de tomarem a medicação por mais de um ano.>
Embora os estudos indiquem que a perda de peso atingida com a administração de semaglutida possa ser mantida enquanto a medicação continua sendo tomada, também sabemos que algumas pessoas começam a recuperar parte do peso, mesmo antes de parar.>
Alex Miras indica dados de pessoas que tomaram uma formulação anterior de GLP-1, conhecida como Saxenda, ou liraglutida.>
"Em um ano, a perda de peso é de cerca de 8%, mas, em três anos, ela cai para 6%", explica ele. "De forma que isso parece acontecer e podemos ver também com cirurgia bariátrica [de gestão da obesidade].">
Domenica Rubino afirma que algumas pessoas podem recuperar peso depois de abandonar a semaglutida, mas ainda manter parte dos benefícios à saúde metabólica atingidos enquanto tomavam a medicação, como o melhor controle do açúcar no sangue.>
Muitas vezes, este melhor controle do açúcar no sangue persistirá por algum tempo (até três anos, segundo um estudo), o que pode ser causado por muitas razões, segundo Rubino.>
"Aquela pessoa pode conseguir ser mais ativa depois de perder peso", explica ela. "Talvez ela esteja dormindo melhor e sofrendo menos eventos de apneia do sono [que foi relacionada como fator de risco para diabetes tipo 2]. Todos estes fatores podem afetar dinamicamente as complicações metabólicas de uma pessoa.">
Parte destas variações pode também se dever à existência de diferentes subtipos de obesidade. Até relativamente pouco tempo, os cientistas consideravam a obesidade uma única doença, mas, agora, especialistas de todo o mundo começaram a perceber que a realidade é muito mais complexa.>
E pode também haver outros efeitos benéficos duradouros. Um estudo acompanhou mulheres com síndrome do ovário policístico (SOP) e obesidade, tratadas com injeções de semaglutida por 16 semanas, além do medicamento contra diabetes metformina.>
Ao longo do tratamento, as participantes do estudo perderam peso, seus parâmetros cardiometabólicos melhoraram e seus níveis de testosterona livre – que costumam ser elevados em mulheres com SOP – foram reduzidos.>
Dois anos depois, elas pararam de tomar semaglutida e seu peso e níveis de testosterona livre permaneceram significativamente mais baixos. Mas os indicadores cardiometabólicos das participantes haviam retornado aos níveis iniciais do estudo.>
A popularidade das medicações análogas ao GLP-1 apresentou uma oportunidade única. Dados publicados pela Novo Nordisk no início deste ano indicam que 25 mil americanos estão se inscrevendo para tomar Wegovy toda semana.>
Com esse grande volume de amostra, os cientistas podem conseguir aprender mais sobre os diferentes tipos de obesidade, observando como as pessoas reagem às medicações, durante e depois do tratamento.>
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e do Wegovy, forneceu à BBC a seguinte declaração: "Não há evidências que indiquem que os pacientes irão recuperar totalmente todo o peso depois de suspenderem a medicação. A Novo Nordisk relatou os resultados do teste de extensão ETAPA 1 sobre o impacto do abandono do tratamento, que concluiu que, um ano depois de suspender a aplicação subcutânea de 2,4 mg de semaglutida uma vez por semana e das intervenções no estilo de vida, os participantes recuperaram dois terços do seu peso perdido anteriormente. Estas conclusões também confirmam a natureza crônica da obesidade e indicam que é necessário tratamento contínuo para manter a melhoria da saúde e do peso.">
Um novo consórcio europeu, conhecido como Estratificação de Fenótipos Obesos para Otimizar a Terapia Futura contra a Obesidade (Sophia, na sigla em inglês), tenta agora pesquisar este ponto com mais detalhes. O consórcio é liderado por cientistas da University College de Dublin, na Irlanda.>
"Queremos tentar obter indicadores diferentes, seja por meio de exames de sangue ou de testes psicológicos, que possam nos ajudar a entender como um paciente poderá se sair com cada uma dessas medicações", explica Miras.>
"No momento, administro a eles uma medicação por três meses e, se eles perderem peso, isso quer dizer que tive sorte. Estamos atirando totalmente no escuro.">
Miras prevê um futuro no qual estas informações serão utilizadas para identificar o medicamento de perda de peso mais apropriado para um paciente específico, a probabilidade de que eles se tornem resistentes ao longo do tempo e diferentes combinações de medicamentos que podem ser utilizadas para manter o peso do paciente sob controle.>
Para Martin Whyte, um ponto parece ser certo: muitas pessoas com obesidade precisarão manter sua medicação de forma permanente, para evitar reincidências.>
Rubino conta que estão sendo planejados estudos clínicos para determinar se doses mais altas de medicamentos de GLP-1 podem ser utilizadas na fase aguda para ajudar os pacientes a perder peso, seguidas por doses mais baixas de "manutenção", que trazem menos efeitos colaterais e podem ser prescritas para prazo mais longo.>
Foram também levantadas preocupações sobre o enorme custo das medicações contra a obesidade para o sistema de saúde pública. No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) cobre atualmente o Wegovy apenas por um período de dois anos.>
Mas a onda futura de alternativas genéricas, com custo mais baixo, pode viabilizar esta questão.>
A patente do Saxenda, da Novo Nordisk, vence em 2024 – e seus concorrentes Teva, Pfizer e Mylan/Viatris devem lançar versões genéricas de liraglutida ainda este ano. Espera-se ainda que alternativas genéricas do Ozempic sejam disponibilizadas na próxima década.>
"Embora a liraglutida não tenha a mesma eficácia que semaglutida, os custos provavelmente irão cair quando as patentes expirarem", explica Whyte.>
"Por isso, as pessoas logo poderão começar a pensar nela como opção de prazo mais longo e, quando os custos gerais dos medicamentos de GLP-1 forem reduzidos, ficará mais fácil prescrevê-los como medicamentos de uso contínuo", conclui o professor.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta