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Publicado em 19 de setembro de 2020 às 08:00
De repente aquela dor, que você achava que poderia ser passageira, persiste por mais de três meses. Traz incômodo, mal-estar e, dependendo da situação, até dificuldade de se mexer. Dormir se torna um martírio. Possivelmente é um tipo de dor crônica, mais comum do que você imagina. >
Um estudo divulgado em 2017, realizado pela Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED), diz que pelo menos 37% da população brasileira, ou 60 milhões de pessoas, sentem dor de forma crônica (aquela que persiste por mais de três meses).>
“Há dois meses, a Associação Internacional para os Estudos da Dor (IASP) atualizou as definições de dor, após 40 anos. Hoje entendemos a dor como uma experiência que pode ser sensorial ou emocional, e ela pode estar associada ou se parecer associada a uma lesão. Podemos dizer que dor é uma experiência pessoal. Quando pensamos em dor crônica, é aquela persistente ou recorrente e dura mais de três meses”, conta Adrieli Borsoe, que é fisioterapeuta, acupunturista e especialista em avaliação e tratamento de dor crônica pela USP.>
A fisioterapeuta explica que a dor aguda, ao contrário da crônica, é aquela considerada de início repentino, com causas quase sempre bem definidas e que costuma ser autolimitada, com resolução rápida. Então, quando perceber que a dor deixa de ser aguda e passa a ser crônica? “Quando percebemos que a queixa de dor não passa no tempo esperado para cicatrização ou resolução do problema, torna-se perceptível a cronificação do sintoma. Podemos identificar o fenômeno quando estímulos não dolorosos passam a ser interpretados pelo cérebro como dolorosos e quando a localização da dor é muito maior que a da lesão”, diz.>
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A pedagoga aposentada Marlene Cândido Lima, 65 anos, convive com uma dor crônica há 30 anos. Ela sempre foi uma mulher ativa. Além do trabalho, cuidava da casa e gostava de frequentar academia. Até que as dores na coluna começaram a aparecer. “Nunca mais elas sumiram, convivo desde os 30 anos”, conta. >
Ao longo dos anos as dores se agravaram. Marlene desenvolveu a escoliose, lordose, três hérnias de disco, além dos problemas no joelho. “As principais dores são no joelho e no final da coluna. Tem dias que não consigo me mexer, na posição que deito tenho que ficar. Fico sem dormir”, relata. >
Ela costuma usar muito gelo ou compressa quente, além de remédios. As caminhadas, que sempre fizeram parte de sua rotina, foram proibidas pelo médico. “Agora só posso fazer hidroginástica”, conta a moradora de Vila Velha. >
O médico especialista em dor e neurocirurgião da Samp, Erick Barcelos Borges, explica que a dor crônica acarreta muito sofrimento aos pacientes e aos seus familiares por vários meses ou anos. “O tratamento é individualizado e realizado por uma equipe multidisciplinar para maior entendimento e para melhor resposta”. >
É comum a pessoa tomar remédio para aliviar a dor. Porém, o médico alerta que o consumo de analgésicos de venda livre pode mascarar os sintomas das dores crônicas. “A automedicação, cada vez mais praticada, principalmente após a facilidade de acesso às inúmeras informações disponíveis na internet, pode retardar ou dificultar os diagnósticos e consequentemente os tratamentos dos fatores causadores de dores crônicas”. >
São vários os fatores que assumem um papel importante na prevenção e no tratamento dessas dores. Um dos principais é a prática da atividade física. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza 75 minutos de atividade física intensa ou 150 minutos de exercícios moderados durante a semana para os adultos. “A prática de exercícios com regularidade é fundamental para prevenção da dor crônica por promover redução de massa gordurosa e aumento da massa muscular, o que fortalece e protege as nossas articulações, reduzindo lesões no dia a dia de trabalho. Além disso, apresenta um importante impacto na prevenção da dor por ser um importante fator na prevenção de inúmeras doenças oncológicas e/ou cirúrgicas. Isso é muito relevante, pois a principal complicação dos pacientes oncológicos é a dor, e mais de 10% dos pacientes submetidos a tratamentos cirúrgicos apresentam dor crônica pós-operatória”, explica o neurocirurgião.>
Erick Barcelos Borges
Médico especialista em dor e neurocirurgiãoA dona de casa Ângela Maria Vieira Rangel Machado, de 75 anos, passou a conviver com a dor nas costas há 15 anos. “No começo não imaginava que fosse dor cônica. Doía muito, eu deitava e tinha que me cobrir com um cobertor para esquentar e esperar a dor passar. Ia aos médicos e eles passavam relaxante muscular. Mas as dores não passavam”, lembra. >
A dor é tanta que muitas vezes ela não conseguia fazer o básico como cozinhar, ficar em pé ou apenas sentada. “Gostava de costurar e bordar, mas tive que parar. Tem mais de uma década que não faço nada disso”. A fisioterapia - que chegou a ser feita 5 dias da semana - e a acupuntura são o tratamento que tem ajudado a amenizar a situação. “Não tomo mais remédio e as dores diminuíram e muito. Também tento não ter aborrecimentos”.>
Adrieli explica que a dor tem dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Segundo ela, dificilmente se consegue isolar os impactos ocorridos ao experimentarmos emoções mais intensas. “Uma vez que a dor, por definição, envolve experiências emocionais além das sensoriais, há participação de regiões no cérebro relacionadas ao processamento afetivo. A sensibilização central que muitas vezes permeia a dor crônica envolve ativação dessas regiões cerebrais (memória dolorosa, angústia, medo, sofrimentos) somada ao processamento sensorial, que envolve os aspectos discriminativos, como localização da dor, intensidade e duração”. >
Adrieli Borsoe
Fisioterapeuta e especialista em avaliação e tratamento de dor crônica pela USPEntre as saídas possíveis para a redução dos casos no país estão a educação em dor e o incentivo aos hábitos saudáveis. “Quando a população entende sua responsabilidade na desordem, permite ao corpo trabalhar e intervem positivamente nos processos internos de saúde. Dessa forma, não há espaço para a dor crônica”, diz Adrieli. >
Dor na coluna.
Pode-se incluir a dor na região lombar, que pode acometer de 51 a 84% das pessoas no mundo. No caso da dor lombar crônica, pode chegar a 18%.
Dores de cabeça.
No geral, podem chegar a acometer 47% da população, sendo que 3% são classificadas como crônicas, com mais de 15 dias por mês.
Dor neuropática.
Classifica-se como dor causada por lesão ou doença no sistema nervoso somatossensorial. Esta queixa, quando crônica, pode ter uma prevalência de 17,9% no mundo. A dor ciática e as neuralgias pós-herpéticas e diabéticas se encontram nesse índice.
Fibromialgia e dor crônica generalizada.
É definida como dor que é bilateral, acima e abaixo da cintura, na região da coluna e dura pelo menos 3 meses. No caso da fibromialgia, somamos esses sintomas à fadiga e sintomas cognitivos. Os índices de prevalência chegam entre 10,6 a 13,5% da população mundial.
Cefaleia crônica.
Tratamento de crise: anti-inflamatórios não hormonais, corticosteroides e neuromoduladores. Tratamento de transição: descontinuar gradualmente excesso de medicações caso aconteça. Tratamento preventivo de crises: algumas medicações têm boa evidência preventiva; toxina botulínica Tratamento não farmacológico: a acupuntura tem evidências sólidas e promissoras; ioga, meditação, relaxamento, massagem, termoterapia, higiene do sono, bons hábitos nutricionais, limitar o consumo de cafeína, atividade física leve a moderada, terapia cognitivo-comportamental
Dor na coluna.
Episódio específico: exercícios em grupo, terapia manual e psicoterapia Dor persistente/resistente ao tratamento: programa físico associado ao psicológico combinado Para alívio da dor pode-se considerar anti-inflamatórios não esteroidais e opioides fracos
Dor neuropática.
Analgésicos de primeira linha: anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos e inibidores de receptação de serotonina-noraepinefrina, opioides e uso tópico de anestésicos
Fibromialgia.
Medicamentoso: antidepressivos tricíclicos, relaxantes musculares, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, neuromoduladores Não medicamentoso: exercícios aeróbios moderadamente intensos de 2 a 3 vezes na semana, com resistência leve, evitando a dor induzida por exercícios, com progressão gradual. Alongamento, fortalecimento e relaxamento podem ser incentivados, apesar de ter menor evidência. Terapia cognitivo-comportamental é recomendada e não há consenso sobre acupuntura.
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