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Crônica: "O outro", de Maria Sanz

Crônica: "O outro", de Maria Sanz

"O outro. O outro não só como ente que diz respeito ao indivíduo em sua singularidade, mas como a diferença que permeia nossa própria existência"

Publicado em 12 de setembro de 2019 às 15:54

 - Atualizado há 6 anos

Confira a crônica de Maria Sanz Martins Crédito: Pinterest

Faz um tempo, conheci um ser humano completamente diferente de mim. Em sentidos tantos que nunca houve espaço para nos compararmos. Um assim, outro assado. Um pra lá, outro pra cá. E assim sendo, um fenômeno começou a ser dar: a cada dia eu me tornava mais eu mesma. Divergindo naturalmente, eu era cada dia mais quem eu era mesmo! Ou melhor explicando, sem medo de destoar, ou sem a necessidade de parecer ou me familiarizar (até porque não tinha como), fui descobrindo uma forma de estar confortável sendo completamente diferente.

(Coisa que talvez eu sempre tenha sido, mas disfarçava como podia para dar jeito de caber no contexto)

Enfim, partindo disso, me veio essa ode sobre o outro. E ela ficou mais ou menos assim:

O outro. O outro não só como ente que diz respeito ao indivíduo em sua singularidade, mas como a diferença que permeia nossa própria existência.

Inclusive em muitos níveis: do espiritual, ao social, passando pelo sexual e político. De modo que exercitar a alteridade, ou seja, reconhecer a existência da diversidade é criar, ao mesmo tempo, uma borda e um laço.

Dissolvemos a fronteira entre o eu e o outro na medida em que nos afetamos com a verdade: seja sangue do mesmo sangue, seja só de papel passado, seja de outro continente, seja do mesmo bairro, seja como for, ninguém é igual a ninguém. Mas não à toa, estamos todos no mesmo barco.

Lembre, aqui não estou falando do outro como estranho tornado familiar, aquele que mantemos por perto para pertencer ou comparar, mas do outro que se mantém como outro, em toda sua estranheza (muitas vezes inexplicável). Porque é na estranheza do outro onde podemos encontrar sua razão de ser, a sua especificidade, e é de onde tomamos coragem – é onde nos deixamos mobilizar... O outro como (uma espécie de) espelho do nosso avesso. O outro através do qual nos tornarmos nós mesmos.

E mais, quanto antes na vida começamos a conviver com os diversos, mais interessados e, portanto, mais interessantes nos tornaremos.

Ora, uma vez mantidos numa redoma onde tudo e todos são parecidos, seguimos no esforço de nos mantermos “semelhantes”, enquadrados num contexto, ou numa cena de cumprimento de quesitos de pertencimento.

Portanto, assim como os animais, aparelhados com uma natureza imitadora, desenvolvemos a habilidade de copiar o movimento e o jeito daqueles que nos cercam facilmente. Mas enquanto humanos, se assim nos mantivermos, apenas repetindo, jamais evoluiremos.

De modo que repito, a diversidade serve para isso: evoluir.

Claro, cada um alcança ou escolhe uma forma única de evolução e aprendizagem, mas eles quase sempre envolvem tropeços, ilusões e divergências. E tudo bem. Importante é decidir ir além, porque a revolução começa a partir de si.

Eu mesma descubro a cada dia que para avançar, certas coisas em mim dependem de prática, outras de paciência e outras, ainda, de coragem para divergir.

Obrigada ao outro que me cerca. Por tudo e por tanto, sou grata a ti.

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