Uma cidade formada por costumes, lugares e pessoas. Das mais diferentes origens, etnias, e que carregam histórias. Um único rosto não delinearia a Capital dos capixabas e de quem por aqui escolheu viver e construir o seu enredo. São muitos os apaixonados por esta Ilha, e que possuem um relação íntima com ela, que hoje completa 468 anos.
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Oferecem seu trabalho, seus sorrisos e a vontade de ser cada dia melhor. A tratam como filha. Gostam de cada canto. São pessoas que simbolizam as diferentes facetas da Capital. Neste aniversário de Vitória, a Revista.ag foi conversar com quatro desses personagens. Pessoas que vivem aqui e são apaixonadas por essa terra.
Zilda Antônia de Aquino é uma delas. Figura emblemática do Centro, a colatinense de 52 anos adotou Vitória como sua cidade. Chegou por aqui aos 18 anos, quando veio morar com um irmão e começou a construir a própria história. “Tinha o sonho de conhecer a cidade grande, nunca mais voltei”. Trabalhou em casa de família, cursou o ensino médio, foi recepcionista de academia de ginástica, casou, teve uma filha e ficou viúva aos 32 anos. “Comecei com um bar em 1995, tinha uma filha pequena e precisava me virar”, conta.
Múltipla e cultural
A Vitória de Zilda é múltipla e cultural. Apaixonada por samba, vascaína, evangélica da Assembleia de Deus e adorada pela comunidade LGBT+, a capixaba consegue circular por todos os universos sempre com um sorriso no rosto. “Vivemos num país livre. Cada um é o que quer ser”, responde sobre qualquer possível questionamento.
O seu bar, no Centro de Vitória, é ponto de encontro de jovens e adultos de todas as classes sociais. “As pessoas vêm em busca de diversão. Saber que nossa cultura está sendo aceita é o meu maior presente”, conta ela, que começou fazendo serestas. “Mas o bar aconteceu mesmo quando apostei nas rodas de samba”. Zilda é resistência. “Abrir as portas, mesmo quando o Morro Piedade enfrenta problemas de segurança, é resistir. Mas sempre respeitaram o meu trabalho e os frequentadores”.
Cozinheira de mão cheia, trabalha durante a semana fazendo marmitas que são entregues em bairros da cidade. “Aprendi a cozinhar sozinha”, diz ela que, na cidade, gosta de ir na Curva da Jurema e na praia da Ilha do Frade. “No samba e perto do mar é onde me sinto em casa”.
Relação de troca
Sair para degustar e não somente comer, mas viver a experiência de olhar o movimento, respirar com calma, notar a música e reencontrar conhecidos da cidade. A Vitória do empresário João Luiz Mendes é um lugar onde todos podem se encontrar e aproveitar a vida.
Comandando um bar que leva o seu nome, ele conseguiu algo improvável: fazer sucesso fora do circuito gastronômico. A porta do estabelecimento, em Santa Marta, é discreta. Mas quem frequenta o local sabe o sucesso que é. Nascido no Bonfim, crescido no Bairro da Penha e, tempos depois, na Praia do Canto, o filho de uma lavadeira aprendeu a cozinhar porque a mãe não era boa de cozinha. Grande ironia. “Ela fazia um feijão muito mal. Por isso que gosto muito de fazer o prato. Na verdade, aprendi com ela como não fazer”, conta, rindo.
Viveu durante 19 anos com uma família adotiva. E foi lá que o gosto pela culinária foi aprimorado. “Todos cozinhavam bem e tinham a tradição de fazer reuniões nos finais de semana, sempre com uma galinhada”. Estudou na escola agrícola, em Santa Teresa e, de volta a Vitória, tentou a primeira empreitada no comércio em 1994, num bar em Itararé. Não deu certo. Trabalhou em outros lugares até perceber que gostava mesmo de comandar a própria vida. “Estava desempregado e sem perspectiva quando abri o bar. Foi por necessidade mesmo. No início eram apenas dois bancos e uma mesa, os clientes é que traziam as cadeiras de praia de casa”, lembra.
O sucesso aconteceu no boca-a-boca, e o espaço passou a ser frequentado por gente de todos os bairros da Grande Vitória, de profissionais liberais a executivos. Nesses anos de estrada, seu boteco nunca fez tanto sucesso. Estampa cadernos de gastronomia, colunas sociais e revistas que exaltam os bares que servem comida em mesinhas de plástico, na base do copo de vidro e do guardanapo de papel. Está literalmente na boca dos apaixonados pela comida de boteco. “Sempre quis que as pessoas saíssem de casa para ter o bar como opção, errei várias vezes até chegar aqui”.
A relação de João com Vitória é de troca. “É tudo de bom. Uma cidade pequena, charmosa e elegante. Que me ofertou amigos. Eu adoro morar aqui. Vitória abraçou a minha história”, conta ele, que é apaixonado por samba, torcedor da escola Boa Vista e que tem como prato preferido – quem diria – a moqueca.
Parte da história
E por falar em moqueca, se tem alguém que faz parte da história da Capital é José Carlos Monjardim Cavalcanti, o Cacau Monjardim. A Vitória dele é um lugar dedicado ao turismo e à gastronomia. Aos 89 anos, vestindo – também literalmente – a camisa que exalta a moqueca capixaba, ele é um embaixador da iguaria. Tanto que é o autor do famosa frase: “Moqueca só capixaba, o resto é peixada”, que define com precisão o principal prato da nossa culinária. “A frase se transformou em postal do Estado e a abriu as portas do Espírito Santo para o reconhecimento internacional. Fui convidado para fazer palestras em vários lugares, fiz da nossa culinária a grande representação da nossa história”, conta.
Nascido em Fradinhos, ele cresceu no Centro. “A minha geração se dedicou aos esportes e movimentos estudantis. Vivi o apogeu de Vitória”, lembra Cacau, que frequentou escolas e clubes tradicionais como o Saldanha da Gama. Jogou voleibol e foi campeão capixaba de arremesso de peso. Monjardim gosta de lembrar histórias. Uma delas é de quando frequentava o manguezal, localizado onde hoje é o Ifes Vitória. “Sou do tempo onde se catava caranguejo no terreno onde hoje é a antiga Escola Técnica. Essa proximidade com o manguezal me fez valorizar ainda mais a nossa cultura”.
Ele conta que ama a sua terra mais do que qualquer outra coisa na vida. Com uma memória invejável, são muitas histórias vividas nessas quase nove décadas de vida. A relação com a culinária ele aprendeu logo cedo com a mãe e a avó. “Me apeguei à culinária capixaba, achei que era uma manifestação da própria cultura. Sempre admirei as paneleiras”. Ele sai pouco. Quando acontece, encontra os amigos nos arredores da Praia do Canto e da Enseada do Suá.
Privilégio
A cidade também adotou o alegrense Caetano Monteiro, de 33 anos. A Vitória dele é a representação da cultura e da construção do carnaval de rua. Caetano cresceu ouvindo música, principalmente MPB. Tocou em bandas de rock e aprendeu ainda cedo a produzir shows e festivais de música.
Chegou por essas bandas em 2009 e nunca mais foi embora. “Vim porque precisava de novos ares, conhecer pessoas e alavancar a carreira de publicitário”, conta. Por aqui, notou uma atitude bem peculiar. “A primeira coisa que notei foi como a chuva afasta as pessoas. Quando chove o capixaba não sai de casa, nem na Capital”, conta, rindo. Mas também presenciou um momento em que a cidade vivia uma efervescência cultural com festas, movimentos e pessoas interessadas em fazer acontecer. Acabou se empolgando e também quis entrar nessa. Olhando um pandeiro que ficava no canto do quarto, lembrou que precisava tocar como nos velhos tempos. “Sabia de alguns amigos que tocavam num apartamento e fui atrás”. Caetano é um dos fundadores do Regional da Nair, grupo de amigos que ama fazer uma roda de samba, e que surgiu dentro deste apartamento em Jardim da Penha. “Nair é uma amiga muito querida e que hoje mora em Brasília, mas os primeiros encontros foram no apartamento dela”.
Do apartamento foram para um bar no mesmo bairro. E o convite, enviado por email, era sempre o mesmo: “venha e traga seu instrumento”. O boca-a-boca se espalhou e eles começaram a reunir multidões. “Só no último carnaval no Centro entendemos o estrondo que estava acontecendo. Era muita gente. E não tinha microfone, as pessoas eram os cantores”, lembra, feliz.
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O grupo é responsável por resgatar o carnaval da cidade. Neste ano reuniu 20 mil pessoas nas ruas atrás do bloco. “A grande representação e contribuição para a cidade que o bloco vai deixar é a construção de um cenário de carnaval de rua”, conta Caetano, que tem uma paixão muito forte pela cidade. “Ela possibilita circular de forma independente, como de bicicleta, por exemplo. A relação com o mar também é incrível. Viver em Vitória é um privilégio”.
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