Brasil: um sonho comum para sair da polarização

Há quem acredite que tudo é parte do processo de amadurecimento democrático, mas o fato é que a polarização acaba sendo prejudicial à própria democracia, porque interdita o diálogo e impede que as nações enxerguem bem os seus reais desafios

Publicado em 22/01/2022 às 02h00
Bandeira do Brasil
Bandeira do Brasil. Crédito: Pixabay
  • André Hees

    É jornalista e consultor em Comunicação

O jornalista e produtor cultural Nelson Motta, 77 anos, acompanhou como poucos a história recente do Brasil. Nascido em 1944, viu surgir a bossa nova, no final dos anos 50, no governo Juscelino (por sinal, apelidado de presidente bossa nova), e viveu de perto os movimentos políticos e culturais mais importantes do país, como o Tropicalismo, no fim dos anos 60, e o rock brasileiro, nos anos 80, até chegar a Anitta, por quem nutre grande admiração.

Nelson Motta sofreu com a censura e a repressão do regime militar, especialmente no governo Médici. “A gente vivia um clima permanente de medo e insegurança”, contou o jornalista, no programa Fim de Expediente, da rádio CBN, transmitido ao vivo do Hotel Ilha do Boi, no final do ano passado, no encerramento do Vitória Summit, evento da Rede Gazeta que reuniu lideranças empresariais e políticas.

Mas Nelsinho Motta observou que, mesmo com toda a repressão militar da época, não havia o radicalismo nas relações pessoais como atualmente, em razão da polarização política que há alguns anos divide o país.

“Não tinha esse clima de animosidade entre amigos, grupos de família, como hoje, e sabemos como isso é agravado pelas próprias redes sociais”, disse o jornalista.

A polarização é um fenômeno mundial, ocorre em diversos países e está relacionado à crise da democracia liberal e da política tradicional.

Há quem acredite que tudo é parte do processo de amadurecimento democrático, mas o fato é que a polarização acaba sendo prejudicial à própria democracia, porque interdita o diálogo e impede que as nações enxerguem bem os seus reais desafios.

O tema é bem abordado no livro “Os engenheiros do caos – Como as fakenews, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”, do jornalista e escritor italiano Giuliano Da Empoli.

Os algoritmos das redes são programados para oferecer ao usuário conteúdos capazes de mantê-los conectados o maior tempo possível, explorando justamente o divisionismo e sentimentos como raiva e medo, principalmente medo. O conflito gera engajamento.

Para os engenheiros do caos – figuras como Steve Bannon e Arthur Finkelstein (conselheiro de Viktor Orban, da Hungria) – o jogo da política é outro. Ela não consiste mais em unir as pessoas em torno de uma causa comum, mas, ao contrário, em inflamar as paixões do maior número possível de pessoas.

“Para conquistar uma maioria, eles não vão convergir para o centro, e sim unir-se aos extremos”, explica Giuliano Da Empoli. Mais: “Cultivando a cólera de cada um sem se preocupar com a coerência do coletivo, o algoritmo dos engenheiros do caos dilui as antigas barreiras ideológicas e rearticula o conflito público tendo como base uma simples oposição entre ‘o povo’ e ‘as elites’”.

Num clima de permanente confronto, estimulado pelos extremistas, conseguiremos formar maiorias, construir consensos, retomar o prumo e promover reformas para fazer o país superar o atual quadro de inflação, desemprego e paralisia? Pouco provável.

Em recente artigo publicado no Valor Econômico, o cientista político Fernando Abrucio observou que o Brasil viveu um dos melhores períodos de sua história, entre 1993 e 2013, quando conseguiu combinar fortalecimento da democracia, estabilidade econômica e inclusão social. “Mas o que veio depois foi uma trajetória que nos levou ao pesadelo atual, que produziu uma sociedade sem perspectiva de futuro”, avalia o doutor em Ciência Política pela USP e professor da FGV.

Nesta eleição presidencial, temos a chance de recuperar a esperança de dias melhores. Eleições são sempre uma oportunidade para o país debater o seu futuro. Para isso, o professor sugere um roteiro, da eleição à posse do presidente a ser eleito: a capacidade de dialogar com os diferentes, a realização de debates entre os candidatos, a percepção da importância de todas as estruturas institucionais do sistema político, a produção de uma visão sistêmica dos desafios dos brasileiros e a criação de um sonho comum.

Conseguiremos sair da bolha e ouvir o outro lado? Acredito que sim. Dependerá de todos: dos candidatos, de suas estratégias de campanha e de cada eleitor.

Já é possível perceber, no Espírito Santo e na corrida presidencial, que alguns candidatos já dialogam com antigos adversários e com políticos que antes não pertenciam ao arco original de alianças.

Ainda pode desejar feliz ano novo? Um 2022 cheio de esperança e realizações para todos nós. Amanhã há de ser outro dia.

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