Em entrevista ao jornal A Manhã, em 1945, olhando sua obra em perspectiva, Haydée se diz uma 'poeta social'
Em entrevista ao jornal A Manhã, em 1945, olhando sua obra em perspectiva, Haydée se diz uma "poeta social". Crédito: Arquivo

A modernista capixaba Haydée Nicolussi e a geração de 1930

O ofício persistente de escritora que reúne as escritoras dessa geração, registrado em livros, jornais e revistas, deixou aberta a trilha para uma representação da mulher como sujeito, forçando a entrada de elementos novos na produção dos textos literários

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Publicado em 09/04/2022 às 02h00
  • Júlia Almeida

    É professora do Departamento de Línguas e Letras da Ufes. É compositora e lançará no dia 19 de abril o álbum "Samba na sombra", cuja canção "Incendeia" homenageia Haydée Nicolussi

Situar Haydée Nicolussi em seu tempo nos coloca de imediato em busca da comunidade literária e dos espaços de sociabilidade em que floresceu sua obra. A década de 30, quando atinge a maturidade literária, é o momento em que se firmam nas letras autoras como Rachel de Queiroz, Patrícia Galvão – a antropofágica Pagu –, Eneida de Moraes e Lidia Besouchet, todas nascidas no primeiro decênio do século XX.

É também o período em que se consagram Jorge Amado e Graciliano Ramos, ambos com vários romances publicados em renomadas casas editoriais, benefício só estendido a Rachel de Queiroz, acolhida pela José Olympio. Esses autores recebem a chancela do romance social, que ganha destaque nos anos 30 tematizando a exploração do trabalho, a luta de classes, e avalizando a incorporação de pobres, trabalhadores e militantes ao tecido literário.

Vindos quase todos de diversas regiões do país, mudam-se no início dos anos 30 para o Rio de Janeiro e São Paulo, onde a vida cultural e política fornece o combustível para a renovação que propõem: uma encenação realista e documental da desigualdade da sociedade brasileira, cujos valores são compartilhados em reuniões partidárias, em encontros, vizinhanças e até na prisão, após o levante dos quartéis de 1935.

Em entrevista ao jornal A Manhã, em 1945, olhando sua obra em perspectiva, Haydée se diz uma "poeta social". Talvez se tivesse levado a cabo e publicado os romances a que se dedicou após sua detenção em 1935, entre os quais "Os desambientados", sobre militância e prisão, teria tido o reconhecimento que obteve "Caminho de Pedras", de Rachel de Queiroz (1937), considerado pioneiro em retratar as entranhas da militância de esquerda no Brasil, o que se tornou um filão importante da literatura no final dos anos 70 e da ditadura militar.

Mas sua poesia cumpre em pé de igualdade a tarefa a que se destinou o romance social, perseguindo as dissimetrias entre quem tem e quem não tem, em versos cujo paralelismo sintático se presta a evidenciar melhor a desigualdade social: desde o poema “Lembrança”, de 1932 – “o pobre desperta bloqueado por todos os lados. / O rico tem remorsos de sua riqueza” –, culminando em "Festa na sombra", poema que dá título a seu único livro, publicado em 1943, na ambiência da Segunda Guerra Mundial: "esbanjamos energias em favor dos saciados. / Racionamos a fé entre vidas vazias". Tempo de valores invertidos e desesperança.

Junto aos textos de suas contemporâneas, sua literatura revela relações e laços profundos. Seus versos ressoam a prosa de Pagu em Parque Industrial (1933), em que o mundo do trabalho é perspectivado pela mulher – “como posso dormir sabendo que meus filhinhos sofrem fome? E eu cozinhando todo o dia tanta petisqueira para os ricos!” – mas também se deixam ressoar em Condição de mulher, de Lidia Besouchet (1945), nas crônicas de Eneida de Moraes em Aruanda (1957) e Banho de Cheiro (1957) ou nos versos de Beatriz Bandeira em Roteiro (1961).

O ofício persistente de escritora que as reúne, registrado em livros, jornais e revistas, deixou aberta a trilha para uma representação da mulher como sujeito, forçando a entrada de elementos novos no conjunto de regras de produção dos textos literários e de escritoras no cânone literário, como Raquel de Queiroz e, a seguir, Clarice Lispector. Juntas gestam a matriz de um novo feminismo, que luta pela transformação da situação da mulher no bojo de uma mudança na estrutura social que produz sua condição subalterna, à diferença das sufragistas da época que param nas reivindicações de voto e educação.

Esta pesquisa cruzada das escritoras revolucionárias da década de 30 venho realizando no âmbito de um pós-doutorado na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, esperando que seus resultados sejam o ponto de partida para novos estudos sobre as interrelações literárias, sociais e políticas que afetaram a construção da autoria feminina em uma década que muitos consideram entre as mais relevantes da vida nacional.

SOBRE HAYDÉE NICOLUSSI  

Haydée Nicolussi  (1905-1970) nasceu em Alfredo Chaves, e foi a primeira escritora modernista do Espírito Santo. Foi poeta, escritora de contos e crônicas e tradutora.  Em 1945 publicou o elogiado "Festa na Sombra". No Instagram é possível conhecer mais sobre sua vida e obra em @poetaerevolucionaria/

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