Publicado em 21 de agosto de 2023 às 15:57
Em setembro do ano passado, Ebrima Sajnia viu seu filho morrer lentamente diante de seus olhos.>
Sajnia, que trabalha como taxista em Gâmbia, diz que Lamin, de três anos, começaria a frequentar a creche em algumas semanas, quando teve uma febre. >
Um médico de uma clínica local prescreveu remédios, incluindo um xarope para tosse, mas a criança febril se recusava a tomá-los.>
"Eu forcei Lamin a beber o xarope", lembra Sajnia, sentado em sua casa em Banjul, capital de Gâmbia.>
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A situação de Lamin piorou nos dias seguintes. >
Ele apresentava dificuldades para comer e até urinar. Quando foi internado, os médicos detectaram problemas renais. Em sete dias, Lamin estava morto.>
Ele é uma das cerca de 70 crianças - todas com menos de cinco anos - que morreram em Gâmbia por lesões renais agudas entre julho e outubro do ano passado, depois de consumir um dos quatro xaropes para tosse produzidos por uma empresa indiana chamada Maiden Pharmaceuticals.>
Em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relacionou as mortes aos xaropes, dizendo ter encontrado níveis "inaceitáveis" de toxinas nos medicamentos.>
Uma comissão parlamentar gambiana também concluiu, após investigações, que as mortes foram resultado da ingestão dos xaropes pelas crianças.>
Tanto a Maiden Pharmaceuticals quanto o governo indiano negam - a Índia disse em dezembro que os xaropes cumpriram padrões de qualidade quando testados domesticamente.>
Amadou Camara, presidente da comissão gambiana que investigou as mortes, discorda veementemente dessa avaliação.>
"Temos evidências. Testamos essas drogas. [Elas] continham quantidades inaceitáveis de etilenoglicol e dietilenoglicol, e foram importadas diretamente da Índia, fabricadas pela Maiden", ele diz. >
O etilenoglicol e o dietilenoglicol são tóxicos para os seres humanos e podem ser fatais se consumidos.>
Trata-se de uma situação difícil para Gâmbia, um dos menores países da África, que importa a maior parte de seus medicamentos da Índia. >
Em luto, alguns pais e mães dizem que não confiam mais nas drogas produzidas na Índia.>
"Quando leio que um remédio é da Índia, não encosto nele", disse Lamin Danso, que perdeu seu filho de nove meses.>
Mas é improvável que a dependência das drogas indianas mude tão cedo.>
"A maioria dos farmacêuticos ainda traz medicamentos da Índia - é muito mais barato do que importar medicamentos da América ou da Europa", diz o jornalista Mustapha Darboe.>
A Índia é o maior exportador mundial de medicamentos genéricos, atendendo a grande parte das necessidades médicas dos países em desenvolvimento. >
Mas as suspeitas de que suas drogas causaram tragédias como a de Gâmbia - e em outros países como Uzbequistão e Estados Unidos - levantaram questões sobre práticas de fabricação e padrões de qualidade.>
"Muitos países estão pensando duas vezes, diante dessa tragédia e do tipo de alerta declarado pela OMS. Eles questionam regularmente. Não é muito confortável. Eu chamo isso de aberração. É uma aberração cara", diz Udaya Bhaskar, diretor geral do Conselho de Promoção de Exportações Farmacêuticas da Índia.>
Ele diz que, embora incidentes como o de Gâmbia e do Uzbequistão tenham "afetado" a imagem da indústria farmacêutica indiana, isso não abalou as exportações.>
A Índia exportou medicamentos no valor de US$ 25,4 bilhões (R$ 125 bilhões) no ano fiscal encerrado em março de 2023. Destes, US$ 3,6 bilhões (R$ 18 bi) foram para países da África. >
Bhaskar diz que o país já exportou mais de US$ 6 bilhões (R$ 30 bi) em medicamentos no primeiro trimestre do atual ano fiscal.>
Mas a Índia anunciou medidas de controle, como obrigar empresas a testarem suas amostras de xarope em laboratórios aprovados pelo governo antes de exportá-los. >
Gâmbia, que não possui laboratórios de testes de medicamentos, também tornou isso obrigatório para medicamentos exportados da Índia desde julho.>
A Índia também estabeleceu prazos para que suas empresas farmacêuticas adotem as boas práticas de fabricação padrão da OMS.>
Mas ativistas indianos alegam que o país tem há muito tempo um "sistema de produção de duas classes".>
"No que exportamos para os EUA e Europa, tentamos usar padrões muito mais rigorosos em comparação com medicamentos feitos para consumo local e exportados para mercados menos regulamentados", diz Dinesh Thakur, ativista de saúde pública.>
Bhaskar discorda, dizendo que vários países da África - terceiro maior destino de exportação da Índia - têm mecanismos regulatórios "robustos".>
Um relatório recente do governo gambiano sobre a tragédia recomendou a criação de um laboratório de controle de qualidade e dois reguladores de medicamentos foram demitidos.>
"Sabemos da raiva na sociedade. Sabemos da raiva entre as vítimas", disse Billay G. Tunkara, o líder da maioria na Assembleia Nacional de Gâmbia e chefe de negócios do governo.>
Mas pais arrasados dizem que nada mudou no setor de saúde do país desde o ano passado - enquanto o sistema médico tem dificuldades para lidar com o alto fluxo de casos de febre, alguns pais foram forçados a conseguir dinheiro para enviar seus filhos ao vizinho Senegal.>
Momodou Dambelleh, um vendedor de madeira, foi um deles. >
Ele viu sua filha de 22 meses Aminata pela última vez em uma videochamada. Ela estava deitada inconsciente em uma cama de hospital.>
"Eu só via a cabeça dela se movendo. Eu tentava fazê-la saber que era eu, seu pai", diz ele. >
Isso aconteceu pouco antes de ela morrer.>
"Aqueles de cometeram esse crime, incluindo o ministro da saúde, devem enfrentar toda a força da lei", diz Ebrima EF Saidy, porta-voz de um grupo que representa os pais das vítimas.>
Ahmadou Lamin Samateh, ministro da Saúde de Gâmbia, não respondeu a um pedido de entrevista da BBC.>
Um ano depois, muitos pais dizem que estão determinados a garantir que outras pessoas em Gâmbia não tenham que passar por essa dor novamente.>
As famílias de 19 crianças entraram com um processo contra as autoridades de saúde locais e a Maiden Pharmaceuticals no tribunal superior da Gâmbia. >
Eles dizem que não hesitarão em procurar também os tribunais indianos e internacionais, se necessário.>
"A negligência do governo fez com que as crianças morressem", diz Sagnia, que faz parte do1 grupo.>
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