Publicado em 12 de maio de 2020 às 14:37
Comparada inicialmente a uma pneumonia, a Covid-19 tem efeitos que vão muito além da infecção no pulmão e que podem deixar sequelas depois da fase aguda da doença por tempo indeterminado. >
Médicos hoje consideram a Covid-19 uma doença complexa, que exige tratamentos para diversas partes do corpo ao mesmo tempo a fim de evitar a morte nos pacientes em estado mais grave.>
"É uma doença multissistêmica. Nenhum órgão vai escapar", diz Rosana Richtmann, infectologista do instituto Emílio Ribas. "Há a ação direta e indireta do vírus, e ainda há os efeitos dos medicamentos, necessários para salvar o paciente.">
O vírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que está presente em células do sistema respiratório, intestino, rins e vasos sanguíneos. Nessas áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto e localizado.>
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A presença do vírus desencadeia a tempestade de citocinas, proteínas que regulam a resposta imunológica, e que surgem para ajudar o corpo a se defender do invasor. Mas em alguns casos essa resposta pode ficar descontrolada e atrair mais células inflamatórias para a região, o que prejudica ainda mais os órgãos afetados pelo vírus.>
Segundo Richtmann, a Covid-19 pode ser comparada mais adequadamente à sepse, doença sistêmica que ocorre quando a resposta imunológica para combater uma infecção localizada fica descontrolada e acaba por espalhar a infecção pelo corpo.>
Os pulmões são a área mais afetada. A pneumonia causada pela Covid-19 é classificada como agressiva pelos médicos. Essa infecção prolongada deixa cicatrizes no paciente, a fibrose pulmonar, um endurecimento do tecido que dificulta o funcionamento do pulmão.>
"Devemos ter uma porcentagem não desprezível dos pacientes com essa cicatriz que leva a uma redução funcional do pulmão e tem impacto na qualidade de vida da pessoa", afirma Felipe Costa, pneumologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo.>
"Alguns dos pacientes vão precisar de fisioterapia respiratória. Um atleta que teve a doença pode não voltar a ter a mesma condição que tinha antes", acrescenta Richtmann.>
Em alguns casos essa condição pode ser revertida. Como os casos de Covid-19 são ainda muito recentes, os médicos dizem que será preciso aguardar alguns meses para verificar se a recuperação total é possível.>
Os impactos da infecção nos rins podem também sair do hospital com o paciente. Segundo a National Kidney Foundation (fundação nacional do rim), instituição de pesquisa e apoio a doentes renais dos Estados Unidos, entre 3% e 9% dos pacientes de Covid-19 desenvolvem insuficiência renal aguda e em alguns casos necessitam de diálise.>
De acordo com Richtmann, uma parte dos pacientes se recuperam dos danos nos rins e saem do hospital sem a necessidade de continuar fazendo diálise, mas os infectados diabéticos ou hipertensos, que já possuem a função renal comprometida em algum nível, precisam seguir o tratamento por algum tempo.>
Relatos de médicos ao redor do mundo apontam ainda inflamação no cérebro, lesões na pele e arritmia na fase aguda da doença. A dor muscular também pode aparecer como consequência da má distribuição de oxigênio pelo corpo.>
Para afirmar quais serão as sequelas mais duradouras os especialistas pedem um tempo maior de observação.>
A estadia dos pacientes de Covid-19 em estado grave nas UTIs tende a ser mais longa. Segundo médicos intensivistas, a passagem de um enfermo pela UTI dura, em média, cerca de cinco dias. Para os infectados pelo novo coronavírus que precisam dos cuidados especiais, a duração vai de três a quatro semanas.>
O período ali pode dar origem à síndrome pós-cuidados intensivos, um conjunto de alterações físicas, cognitivas e psiquiátricas que fazem com que a recuperação do paciente seja mais demorada.>
Um dos maiores efeitos é a perda da massa muscular, que faz com que os pacientes fiquem muito fracos, segundo Laerte Pastore Júnior, coordenador da UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.>
"Os pacientes ficam sedados e imobilizados por um tempo muito grande, demoram pra acordar. Há ainda um consumo do músculo pelo processo inflamatório. Esse paciente acorda muito fraco.">
A médica intensivista Carina Maitan, do Hospital São Luiz Unidade Anália Franco, em São Paulo, conta o exemplo de um homem de 38 anos que ficou 16 dias intubado. Ele só conseguiu andar cinco dias após sair da ventilação mecânica.>
Pacientes mais velhos precisam de um período ainda mais longo para a recuperação e podem adquirir perda de mobilidade ou até disfunção cognitiva, diz a médica.>
A sedação, explica Pastore, é usada para facilitar a adaptação do infectado ao ventilador. "Os sedativos têm efeitos colaterais que na maior parte dos casos podem ser contornados com outras medicações. É comum que os pacientes acordem confusos e com o ciclo de sono desregulado", afirma.>
O problema se agrava quando o paciente não se adapta ao sedativo, diz Maitan. "Temos dificuldade para sedar alguns pacientes de Covid-19. Nesses casos, precisamos usar mais de um medicamento, ou doses maiores. Os efeitos colaterais são piores e podem incluir delírios", afirma.>
A fisioterapia dentro da UTI ajuda, mas tem limitações, dizem os médicos. "Como são pacientes com um comprometimento pulmonar grande, é difícil trabalhar a musculatura mesmo depois que eles saem da intubação. Qualquer exercício vai cansar", diz Maitan.>
A recuperação passa por sessões de fisioterapia e ajustes nutricionais, mas o tempo para minimizar os efeitos negativos é incerto -depende do tamanho da lesão no pulmão, do tempo de UTI, da idade e da condição prévia do paciente.>
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