Publicado em 23 de maio de 2025 às 15:39
Por trás das belas imagens em preto e branco de montanhas, rios e da floresta amazônica — e dos retratos de 12 das 305 etnias indígenas presentes na região apenas no Brasil — Sebastião Salgado documentou histórias de garimpo ilegal, conflitos com madeireiros, garimpeiros e autoridades locais, mortes por falta de atendimento médico e episódios de perseguição.>
O fotógrafo morreu nesta sexta-feira (23/5), aos 81 anos, na França, onde vivia, em Paris.>
Salgado dedicou sete anos ao projeto Amazônia, transformado em livro (ed. Taschen) e exposição internacional — que passou por Londres, Roma, Paris e São Paulo.>
"Os brasileiros têm que saber quem é a Amazônia e quem são esses indígenas, seus nomes. O brasileiro tem que começar a olhar, ver, refletir e tomar posição. Aquilo tudo ali é nosso. Então temos que tomar conta da casa", afirmou à BBC News Brasil a arquiteta Lélia Wanick Salgado, curadora da exposição e parceira do fotógrafo, em 2022.>
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A seguir, confira algumas imagens do projeto.>
A região do Vale do Javari, no oeste do Amazonas, próxima à fronteira com o Peru, abriga sete povos indígenas de contato recente ou permanente, além de pelo menos 14 grupos isolados — oito com registros confirmados e seis em estudo ou sob investigação. Trata-se da maior população indígena não contatada do mundo.>
Salgado foi o primeiro a registrar os korubo, em outubro de 2017. Também fotografou os marubo — uma das maiores populações da região, com cerca de 2.500 pessoas.>
Os korubo iniciaram os primeiros contatos com não indígenas nos anos 1990, durante um surto de malária. Atualmente, são cerca de 100 pessoas, vivendo em duas aldeias e com pouca interação com o mundo exterior.>
Outros grupos permanecem em isolamento e, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), enfrentam ameaças constantes de invasores, especialmente garimpeiros, em áreas como os rios Jutaí e Jandiatuba. Poucos falam português.>
Beto Marubo, da União dos Povos do Vale do Javari (Univaja), que acompanhou Sebastião Salgado na expedição, relatou à BBC News Brasil, em 2022, os bastidores da viagem.>
"Em 2017, Sebastião Salgado me procurou querendo acessar os índios korubo. Na época, eu não sabia quem ele era e disse: 'Não concordo. Esse tipo de trabalho tende a retratar os indígenas como se vivessem isolados e puros, o que não condiz com a realidade. Eles estão vulneráveis diante de uma Funai que falha em protegê-los e, muitas vezes, os coloca em risco. Não acho certo'.">
Segundo ele, a decisão foi precedida por semanas de conversa. "Ficamos um mês nessa discussão. Mas ele disse: 'Beto, eu quero e posso ajudar você. Vou levar essa preocupação a todos os fóruns em que eu apresentar essas fotos. Não é só falar, é mostrar. Eles vão se sensibilizar'. E eu acabei indo com ele.">
Para Marubo, era fundamental que as imagens fossem acompanhadas de depoimentos dos povos retratados e explicações claras, "para quem não entende nada de índio".>
"Antes, as exposições do Sebastião Salgado eram só ele e as fotos. Agora, têm esse componente de dar voz aos indígenas", afirmou.>
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma das primeiras e maiores áreas demarcadas no país, também foi retratada no projeto. >
O território, símbolo da luta pelos direitos dos povos originários, teve a demarcação confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009 — uma decisão histórica que estabeleceu diretrizes para processos posteriores.>
Entre as condições fixadas pelo STF estão a proibição de ampliar terras já demarcadas, a possibilidade de instalação de bases militares e o livre acesso da Polícia Federal e do Exército, sem necessidade de autorização da Funai. A decisão também vedou o garimpo por indígenas nos territórios.>
Cerca de 28 mil indígenas vivem na Raposa Serra do Sol, entre eles macuxis, taurepangs, ingarikós, patamonas e wapichanas, distribuídos em 225 comunidades.>
Salgado fotografou terras indígenas até 2019, incluindo a comunidade yanomami de Piaú. Com a pandemia, viagens previstas para 2020, como o retorno à Raposa Serra do Sol, foram canceladas.>
Outro povo retratado por Sebastião Salgado foi o Yawanawá.>
Até os anos 1980, os Yawanawá viviam praticamente em regime de escravidão nos seringais do Acre. Homens trabalhavam alcoolizados, jovens fugiam das aldeias, e doenças como malária, tuberculose e sarampo vitimavam crianças e idosos. Pressionados por missionários evangélicos, muitos abandonaram suas tradições e a língua materna.>
Na visita ao território, Salgado foi guiado pelo líder Biraci Brasil Yawanawá.>
"Fomos o primeiro povo indígena a firmar um contrato comercial com uma empresa norte-americana de cosméticos, em 1987. Ele está em vigor até hoje. Fomos quebrando vários tabus. Todos os que visitaram nossa terra, de certa forma, nos devolveram a autoestima, a confiança, o amor e a paz que nos tiraram. Hoje recebemos parentes desde o norte do Canadá até os Mapuche, no Chile", disse à BBC News Brasil.>
Hoje, os Yawanawá são reconhecidos por parcerias com grandes marcas, pela presença em fóruns internacionais e por festivais xamânicos que atraem centenas de visitantes brasileiros e estrangeiros — muitos interessados em ayahuasca e rapé, considerados medicinas sagradas pelo grupo.>
Ao longo desse processo de transformação, conquistaram a demarcação de seu território, reinventaram práticas culturais e expulsaram seringueiros e missionários. Sua trajetória se tornou referência para povos indígenas vizinhos, que passaram a seguir caminhos semelhantes.>
As imagens captadas por Salgado revelam alguns dos rituais recuperados pela comunidade, como as pinturas corporais e o uso de penas de aves sagradas, especialmente a águia.>
Com informações de reportagem publicada em março 2022>
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