Publicado em 19 de fevereiro de 2025 às 16:44
A morte da atriz Kim Sae-ron, um caso aparente de suicídio, reascendeu as críticas ao setor de entretenimento da Coreia do Sul, que produz estrelas, mas também as submete a uma imensa pressão.>
Kim, de 24 anos, foi encontrada morta em sua residência, em Seul, no domingo (16/2). A polícia não divulgou mais detalhes sobre a morte dela.>
Ela havia sido bombardeada pela cobertura negativa da imprensa e discursos de ódio online após uma condenação por dirigir embriagada em 2022. >
Especialistas consideraram as circunstâncias que levaram a este desfecho tristemente comuns. Outras celebridades também acabaram tirando suas próprias vidas depois que suas carreiras foram destruídas pelo cyberbullying.>
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Enquanto Kim era sepultada nesta quarta-feira (19/2), analistas disseram não acreditarem que sua morte vá levar a uma mudança significativa na cultura.>
O setor de entretenimento da Coreia do Sul está desfrutando de enorme popularidade. Atualmente, estima-se que haja mais de 220 milhões de fãs do entretenimento coreano ao redor do mundo — o que equivale a quatro vezes a população da Coreia do Sul.>
Mas também há cada vez mais destaque para o lado menos glamouroso do setor de entretenimento.>
A Coreia do Sul é conhecida por sua cultura hipercompetitiva na maioria das diferentes esferas da vida social, desde nas salas de aula até nas carreiras profissionais. >
O país tem uma das mais altas taxas de suicídio entre os países desenvolvidos. >
Embora a taxa geral de suicídio esteja caindo, as mortes de pessoas na faixa dos 20 anos estão aumentando.>
Esta pressão é maior no caso das celebridades. Elas enfrentam uma pressão imensa para serem perfeitas, e estão sujeitas às exigências de "superfãs" obsessivos que podem alavancar ou destruir suas carreiras.>
É por isso que até mesmo o menor passo em falso pode significar o fim de uma carreira. Kim Sae-ron se tornou tão impopular que cenas com ela foram cortadas de séries como Cães de Caça, da Netflix, de 2023.>
"Não basta que as celebridades sejam punidas pela lei. Elas se tornam alvos de críticas implacáveis", diz à BBC o crítico cultural coreano Kim Hern-sik.>
Ele lembra o caso das estrelas de K-pop Sulli e Goo Hara, que cometeram suicídio em 2019 depois de travar longas batalhas com trolls na internet, embora não tenham tido problemas conhecidos com a lei.>
Sulli havia ofendido os fãs por não se enquadrar nos padrões do K-pop, enquanto uma multidão na internet havia atacado Goo Hara por causa de seu relacionamento com um ex-namorado.>
O cyberbullying também se tornou uma atividade lucrativa para alguns, afirmou Kim Hern-sik à BBC.>
"Os YouTubers ganham visualizações, os fóruns obtêm engajamento, os veículos de notícias recebem tráfego. Não acho que [a morte de Kim] vá mudar a situação.">
"É preciso haver uma punição criminal mais severa contra deixar comentários maldosos", ele acrescenta.>
O pai de Kim Sae-ron culpou um YouTuber pela morte da filha, alegando que os vídeos controversos publicados no canal causaram a ela um profundo sofrimento emocional.>
Outros acusaram os meios de comunicação locais, que supostamente alimentaram a animosidade pública contra Kim ao noticiar alegações não verificadas.>
"Este ciclo de difamação impulsionado pela mídia precisa parar", afirmou o grupo Citizens' Coalition for Democratic Media em comunicado na terça-feira.>
Na Jong-ho, professor de psiquiatria da Universidade de Yale, nos EUA, comparou a onda de mortes de celebridades na Coreia do Sul a uma versão da vida real de Round 6, a série de sucesso sul-coreana da Netflix, na qual pessoas endividadas lutam até à morte por um enorme prêmio em dinheiro.>
"Nossa sociedade abandona aqueles que tropeçam, e segue em frente como se nada tivesse acontecido. Quantas vidas mais precisam ser perdidas antes de pararmos de infligir essa vergonha destrutiva e sufocante às pessoas?", escreveu ele no Facebook.>
"Dirigir embriagado é um grande erro. Haveria um problema com nosso sistema judicial se isso ficasse impune. No entanto, uma sociedade que enterra as pessoas que cometem erros sem dar a elas uma segunda chance não é uma sociedade saudável", acrescentou Na.>
No ano passado, a BBC noticiou como os "superfãs" de K-pop tentam ditar a vida particular de seus ídolos — desde seus relacionamentos românticos até suas atividades diárias fora do trabalho —, e podem ser implacáveis quando as coisas fogem do roteiro.>
Não é de surpreender que Kim Sae-ron tenha optado por se afastar dos olhos do público após sua condenação por dirigir embriagada, pela qual foi multada em 20 milhões de won (cerca de R$ 80 mil) em abril de 2023.>
Vale a pena observar, no entanto, que nem todas as figuras públicas estão sujeitas ao mesmo tratamento. Políticos, incluindo o líder da oposição Lee Jae-myung, também já foram condenados por dirigir embriagados, mas conseguiram dar a volta por cima — as pesquisas mostram que Lee é agora o principal candidato à presidência do país.>
Na Coreia do Sul, é "extremamente difícil" para os artistas darem a volta por cima quando fazem algo que arranha sua imagem de "ídolo", diz o colunista de K-pop Jeff Benjamin.>
Ele observa que isso contrasta com os setores de entretenimento do Ocidente, em que controvérsias e escândalos, às vezes, até "acrescentam um toque de estrela do rock" à reputação das celebridades.>
"Embora ninguém comemore quando uma celebridade de Hollywood é presa por dirigir embriagada [sob a influência de álcool ou drogas] ou enviada para a prisão por crimes significativos, isso não necessariamente põe fim à sua carreira", ele diz.>
Embora o setor de entretenimento coreano tenha tomado medidas para contemplar as preocupações com a saúde mental dos artistas, não está claro o grau de eficácia destas medidas.>
Uma mudança real só vai poder acontecer quando não houver mais incentivos financeiros ou de atenção para continuar com essa abordagem tão intrusiva, avalia Benjamin.>
* O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br.>
Reportagem adicional de Jake Kwon, em Seul.>
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