Publicado em 5 de agosto de 2025 às 20:25
Às vésperas do tarifaço aos produtos brasileiros pelos Estados Unidos, que entram em vigor nesta quarta-feira (6/8), o Brasil pode ter um trunfo geopolítico e econômico: as terras raras.>
O governo Lula e o PT (Partido dos Trabalhadores) apostam nesses recursos naturais como uma carta importante para tentar conter os efeitos do aumento da taxa de importação de seus produtos para 50%, anunciadas pelo governo de Donald Trump.>
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta segunda-feira (4/8) que o país pode propor a inclusão da exploração de minerais críticos e terras raras no pacote de negociação bilateral com os EUA. >
"Temos minerais críticos e terras raras. Os Estados Unidos não são ricos nesses minerais. Nós podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes na área tecnológica", disse em entrevista à BandNews TV.>
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O objetivo dessas novas parcerias, segundo o ministro, seria não apenas manter o comércio em níveis pré-tarifaço, mas ampliar a pauta comercial entre os países. >
Segundo Haddad, faz dois anos que o governo federal faz este debate com autoridades americanas.>
"Somos grandes demais para sermos satélite de qualquer bloco. Queremos que os Estados Unidos invistam aqui também.">
Já o novo presidente do PT, Edinho Silva, disse durante encontro nacional do partido no domingo (3/8), quando ele tomou posse do cargo, que a sigla precisa ter um plano para exploração das terras raras. >
"Que ninguém tenha dúvida que esse é um dos motivos para a maior violência diplomática que nós sofremos no último período. Eles querem ter controle sobre a exploração das terras raras, e as terras raras pertencem ao povo brasileiro e é a riqueza das próximas gerações", afirmou.>
A menção às terras raras não é acidental. Lítio, nióbio, cobre, manganês e terras-raras, entre outros minérios, estão no centro de uma das disputas mais acirradas do século 21.>
Estes elementos químicos são fundamentais para a indústria de alta tecnologia, com aplicações que vão de smartphones e turbinas eólicas a mísseis supersônicos. >
A demanda por esses minérios deve crescer 1,5 mil por cento até 2050, segundo relatório da Unctad, a agência de desenvolvimento da ONU. É muito acima do que a produção global dá conta no momento.>
Apesar do nome, as terras raras não são escassas na natureza, mas sua extração é complexa, cara e muitas vezes poluente. >
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Hoje, a China domina a cadeia de valor: concentra cerca de 60% da produção mundial e 90% da capacidade de refino desses elementos, o que a torna peça-chave na guerra comercial com os Estados Unidos.>
Nas últimas décadas, os EUA reduziram sua própria capacidade de refino, o que ampliou sua dependência da China. >
O risco dessa dependência ficou evidente em abril, quando Pequim impôs restrições à exportação de sete tipos de terras raras pesadas, as mais valorizadas pelo setor de defesa.>
Em resposta, Trump ordenou a ampliação da produção doméstica e começou a buscar novos fornecedores, mirando países como Groenlândia, Ucrânia e Congo.>
Recentemente, o encarregado de negócios da Embaixada americana no Brasil, Gabriel Escobar, manifestou interesse dos EUA em minerais críticos e estratégicos brasileiros, em reunião pedida por ele com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade privada que representa as empresas do setor. >
No dia 24 de julho, em evento do governo federal em Minas Novas (MG), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez, em tom de voz elevado, uma defesa da soberania mineral do país.>
"Temos nosso ouro para proteger. Temos todos esses minerais ricos para proteger, e aqui ninguém põe a mão. Este país é do povo brasileiro", afirmou Lula. >
"A única coisa que eu peço ao governo americano é que respeite o povo brasileiro como eu respeito o povo americano.">
Agora, os minérios aparecem como possível cartada para o Brasil nas negociações do tarifaço ou para amenizar o impacto da elevação das taxas. >
Mas a questão mineral também é parte de um xadrez bem mais amplo e complexo: a batalha global por recursos cada vez mais estratégicos para indústrias do presente e do futuro.>
Terras raras é o nome que se dá a um grupo de 17 elementos que não são exatamente raros, mas sim de difícil exploração, presentes nos celulares, nas telas, nas turbinas eólicas, nos carros elétricos, nos painéis solares e até nos mísseis supersônicos.>
A geógrafa e pesquisadora Julie Klinger, especialista em mineração, detalhou à BBC Reel por que esses elementos se tornaram tão cruciais.>
"Eles têm propriedades magnéticas e de condutividade fantásticas, que permitiram a miniaturização dos nossos eletrônicos: para que nossos computadores ficassem do tamanho de celulares e laptops, em vez de serem do tamanho de um prédio. Permitiram também veículos mais eficientes, por simplesmente torná-los mais leves e resistentes ao mesmo tempo", disse ela, em entrevista concedida em março de 2025.>
Outra área em que eles têm papel crescente é na militar. A Otan, aliança militar ocidental, recentemente listou 12 minerais críticos pra produzir caças, tanques, submarinos e mísseis.>
A aliança diz que o abastecimento desses minérios, inclusive os terras-raras, é "vital para manter a vantagem tecnológica e a prontidão operacional da Otan".>
E um dos que estão de olho nesse mapa mineral é Donald Trump. >
Em março, o presidente americano assinou um decreto que ordena a ampliação da produção de minérios críticos e terras raras.>
Além disso, seu governo já demonstrou interesse pela produção mineral de lugares como Groenlândia, Ucrânia, Rússia, República Democrática do Congo — e agora, Brasil.>
Os Estados Unidos ainda dependem fortemente das importações, enquanto sua maior rival, a China, sob muitos aspectos está à frente: concentra 60% da produção global e 90% do refinamento de terras raras, segundo a Agência Internacional de Energia.>
O caso da Ucrânia foi especialmente emblemático. Trump exigiu acordo para exploração de minerais e terras raras ucranianas como condição para seguir apoiando militarmente o país, em guerra com a Rússia desde 2022.>
"Como vocês sabem, estamos constantemente procurando terras raras. Eles [ucranianos] têm muitas delas, e fizemos um acordo para que possamos começar a cavar e fazer o que precisamos", disse o presidente americano, sobre o pacto. >
Nessa corrida global, o Brasil também tem papel importante: o relatório U.S. Mineral Commodity Summaries estima que o país detenha até 23% das reservas conhecidas de terras raras no mundo. >
O professor Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica à BBC News Brasil que o país acumula décadas de pesquisas acadêmicas sobre esses minérios e já faz a mineração de terras raras em Estados como Minas Gerais e Goiás.>
Ainda assim, responde por menos de 1% da produção, porque muitas das reservas inexploradas estão em áreas como a Amazônia. Então é enorme o desafio de aproveitar o potencial mineral brasileiro e ao mesmo tempo manter de pé uma floresta já muito degradada.>
Além das terras raras, o Brasil tem reservas de outros minérios cobiçados, como o nióbio — usado em ligas metálicas de alta resistência, fundamentais para siderurgia, construção civil, turbinas, trens de alta velocidade, baterias e equipamentos aeroespaciais e militares, como mísseis hipersônicos. >
O país concentra cerca de 92% da produção do metal, que é leve e resistente a altas temperaturas e ganhou popularidade na última década, depois de ter sido reiteradamente defendido por Jair Bolsonaro como recurso estratégico para o país.>
O maior mercado consumidor do nióbio brasileiro é a Ásia (em particular a China), mas os Estados Unidos têm posição de destaque como quarto maior importador.>
O Brasil respondeu por cerca de 66% do que foi comprado pelos EUA entre 2020 e 2023, segundo o mais recente relatório sobre minerais críticos do Serviço Geológico dos EUA (U.S. Geological Survey - USGS), fornecendo 83% do óxido de nióbio que desembarcou no país nesse período e 66% do ferronióbio.>
O volume de nióbio importado pelos americanos cresceu de cerca de 7,1 mil toneladas em 2020 para 10,1 mil em 2023.>
Por conta da concentração das jazidas no Brasil — ou seja, a quantidade limitada de fornecedores — o nióbio foi considerado pelo USGS como o segundo recurso mineral mais crítico para o país quando se leva em consideração os riscos potenciais da cadeia de suprimentos - ou seja, se o envio brasileiro falhar por algum motivo, é difícil substitui-lo.>
E enquanto os EUA tentam abocanhar novas fontes de suprimento, outras duas grandes potências — Rússia e China — também avançam.>
Moscou afirmou ter planos de ampliar a produção de terras raras pra diminuir em 15% a importação de minérios até 2030.>
E Vladimir Putin também cobiça projetos minerais em países aliados, por exemplo na África.>
A Rússia tem uma presença forte no Sahel, região de países vulneráveis no norte da África que concentra grandes reservas de urânio e ouro, por exemplo. >
A China, por sua vez, também já investe em projetos de mineração e infraestrutura no continente africano — e quer avançar na região.>
Mas muitos analistas acham que as investidas de todas essas potências mundiais têm o que chamam de um caráter neocolonialista: ou seja, de explorar as riquezas de países ou territórios em situação frágil sem de fato levar desenvolvimento econômico e social pra essas regiões.>
O relatório da Unctad mencionado no início da reportagem alerta que a dependência da exportação de commodities – ou seja, matérias-primas como minérios — é um grande desafio para países em desenvolvimento e pode criar armadilhas socioeconômicas parecidas às sofridas por países dependentes da exportação de petróleo.>
"Essa dependência impede o desenvolvimento econômico e perpetua desigualdades e vulnerabilidades pela África Subsaariana, a América do Sul, o Pacífico e o Oriente Médio", diz o relatório.>
Globalmente, a ONU estima que o mundo precisará investir até US$ 450 bilhões em minérios críticos até 2030 pra dar conta da demanda.>
Alguns especialistas afirmam que será preciso otimizar práticas de mineração já existentes.>
"Muitas vezes, elementos de terras raras estão presentes nos resíduos de outros tipos de mineração, em especial minas de fosfato e prata", afirmou Julie Klinger à BBC Reel. >
"Devemos trabalhar pra reimaginar esses processos, como uma fonte potencialmente abundante de terras raras, pra atender às preocupações e à escassez da cadeia de suprimentos sem ter que abrir novos buracos na terra.">
Outra possibilidade, diz Sidney Ribeiro, é reciclar as muitas toneladas de lixo eletrônico que são jogados fora todos os dias.>
"Hoje se fala muito no que a gente chama de mineração urbana, você já usar lixo eletrônico pra recuperar a terra rara que já está ali para essas aplicações", afirma o professor da Unesp, citando como exemplo projetos para purificar os elementos de terra-rara de lâmpadas luminescentes.>
De qualquer modo, a disputa por esses elementos minerais só tende a crescer — dentro e fora de fronteiras.>
Cálculos da ONU apontam que, de todos os conflitos intra-Estados registrados nas últimas décadas, 40% eram relacionados a recursos naturais — inclusive ao acesso a minérios.>
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