Publicado em 20 de junho de 2025 às 06:39
No fim do ano passado, na cidade russa medieval de Kostroma, um adolescente foi atingido no rosto por uma pistola de sinalização quando voltava para casa após a exibição de um filme sobre um ativista de esquerda.>
O ataque foi supostamente realizado por um membro de um grupo neonazista local autodenominado Made With Hate.>
Este ato violento e politicamente carregado simboliza uma tendência crescente em toda a Rússia.>
Apesar da recorrente justificativa do Kremlin para sua invasão em larga escala da Ucrânia como uma batalha contra o "nazismo", houve um aumento acentuado da violência neonazista dentro da própria Rússia.>
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De acordo com o Sova Centre, uma organização com sede em Moscou que monitora crimes de ódio, os ataques de direita radical na Rússia mais do que dobraram em 2023, em comparação com o ano anterior.>
Isso acontece após um declínio ao longo dos dez anos anteriores. Muitos dos perpetradores tinham menos de 16 anos.>
Esta nova onda de extremismo remete à década de 1990 e ao início dos anos 2000, embora ainda não tenha alcançado a brutalidade assassina daquele período caótico, em que havia centenas de ataques todos os anos após o colapso da União Soviética.>
Naquela época, a violência era alimentada pela disseminação de literatura extremista clandestina. Agora é por meio de plataformas de rede social, como Telegram e TikTok, onde muitos jovens russos encontram — e reverberam — a ideologia de direita radical em espaços digitais, muitas vezes fora do alcance das autoridades locais.>
Em Kostroma, uma cidade com cerca de 264 mil habitantes às margens do rio Volga, no oeste da Rússia, um grupo de adolescentes começou a se comunicar por meio de um canal no aplicativo de mensagens Telegram no início de 2024.>
Inicialmente, o bate-papo era focado em organizar viagens para jogos de futebol ou encontros casuais.>
Mas logo o grupo começou a pichar suásticas e outros símbolos de direita radical pela cidade, de acordo com um ex-membro, Anton, que tinha 17 anos na época, e conversou com a BBC sob a condição de que seu nome verdadeiro não fosse usado.>
Os adolescentes chamavam sua gangue de Made with Hate.>
No verão do ano passado, eles haviam passado para a violência física.>
"Eles se reuniam, e todos batiam em alguém", relatou Anton, que contou à BBC que deixou o grupo em outubro do ano passado, depois de perceber que suas opiniões não se alinhavam com as dos outros membros.>
"Eles andavam por aí procurando viciados em drogas e alcoólatras, e os atacavam. Estavam [também] sempre à caça de pessoas de movimentos de esquerda", acrescentou.>
Os ataques eram frequentemente filmados e postados no canal do Telegram, que contava com um número crescente de membros. Eles vinham não apenas de Kostroma, mas também de outras cidades russas e, em alguns casos — de acordo com Anton — até mesmo da Ucrânia e da Polônia.>
A pessoa que foi atacada ao sair de uma sessão de cinema foi Yaroslav — nome fictício —, um jovem de 17 anos que se mudou de Moscou para Kostroma para estudar fabricação de joias.>
Em novembro de 2024, ele e um amigo tinham ido assistir a um documentário sobre o antifascista Ivan Khutorskoy, exibido para marcar o 15º aniversário de sua morte nas mãos dos neonazistas.>
Quando Yaroslav deixou a sessão, foi abordado por nove pessoas que o interrogaram sobre suas opiniões políticas, de acordo com o Antifa.ru, um canal do Telegram voltado para o movimento antifascista na Rússia.>
Uma pistola de sinalização foi disparada, e Yaroslav foi atingido no rosto.>
Os agressores se dispersaram, mas os médicos de um hospital próximo não conseguiram salvar seu olho. Yaroslav foi forçado a abandonar os estudos e voltar a morar com os pais perto de Moscou. Ele se recusou a falar com a BBC.>
Dois dias após o incidente, o suposto autor do ataque, também de 17 anos, foi detido, e agora pode pegar uma pena de mais de uma década de prisão sob a acusação de vandalismo e de causar lesões corporais graves com o uso de uma arma.>
Anton disse que o adolescente era membro do grupo Made with Hate, e que havia se juntado a ele apenas algumas semanas antes de ser preso.>
Outro adolescente também foi preso posteriormente em conexão com o ataque. Anton afirmou que o suspeito era um integrante importante da gangue neonazista.>
Ambos os suspeitos permanecem em prisão preventiva.>
De acordo com Vera Alperovitch, pesquisadora do Sova Centre, os novos grupos neonazistas que estão surgindo na Rússia estão tentando reviver "tradições e todos os tipos de violência desenvolvidos nos anos 2000".>
A forma dos ataques realizados remete à das gangues neonazistas de décadas atrás. Por exemplo, os membros da gangue marcam encontros com aqueles que acreditam ser gays, assim como com aqueles que rotulam de "pedófilos" e "viciados em drogas", além de sem-teto, para agredi-los.>
Eles também realizam white wagons — termo usado para ataques coordenados a passageiros em trens.>
Isso tem mais a ver com atenção do que com ideologia, avalia Alperovitch. "A sede por 'hype' desempenha um papel mais importante agora do que nunca.">
Segundo ela, nos círculos de direita radical dos anos 2000, o movimento era impulsionado pela ideologia neonazista. "Eram pessoas esclarecidas que liam literatura neonazista e publicavam suas próprias revistas", explica.>
A violência resultante representou um problema sério na Rússia, com centenas de ataques com motivação racial e crimes de ódio ocorrendo todos os anos. No início da década de 2010, o movimento foi efetivamente desmantelado, com a ajuda da polícia. Muitos de seus principais integrantes foram condenados a longas penas de prisão.>
Agora, a atividade dos skinheads nazistas na Rússia está em ascensão novamente, mas essa subcultura ainda está no começo, e ainda não foi formalizada política e ideologicamente, acrescenta Alperovitch.>
"Esses não são combatentes ideológicos como antes. Putin, a guerra, os Estados Unidos — tudo isso é muito complicado para eles", diz a pesquisadora à BBC. "[Há apenas a ideia de que] há migrantes — devemos espancá-los e fazer um vídeo.">
A retórica xenofóbica das autoridades russas e da mídia estatal está no centro do recente aumento dos ataques, assim como "o viés militarista geral da sociedade russa", afirma.>
"De tempos em tempos, ficamos sabendo por salas de bate-papo e canais da ultradireita que um processo criminal foi aberto contra este ou aquele ativista, ou até mesmo um grupo de ativistas, e que eles foram detidos", conta Alperovich.>
"Mas as autoridades policiais não divulgam isso na mídia, aparentemente tentando não chamar a atenção para o fato de que há neonazistas na Rússia. As autoridades russas, por outro lado, nos dizem que eles existem apenas na Ucrânia.">
O aumento da violência extremista não é apenas um fenômeno russo. Paul Jackson, professor da Universidade de Northampton, no Reino Unido, afirma que plataformas com pouca moderação, como o Telegram, deram à direita radical global uma "dinâmica nova e potente".>
"Os jovens às vezes se sentem sem propósito na sociedade, e encontram respostas para suas frustrações em conteúdo extremista. Muitas vezes, para os homens jovens, temas sobre hipermasculinidade sustentam esses sentimentos", adverte Jackson.>
Graham Macklin, pesquisador da Universidade de Oslo, na Noruega, observa que a idade média dos agressores está diminuindo.>
De volta a Kostroma, o movimento neonazista continua a crescer, apesar dos processos criminais em andamento.>
"Há um ano, havia 15 pessoas no movimento de direita, incluindo eu, e agora há provavelmente de 40 a 50 pessoas, a maioria adolescentes", contou Anton.>
Yegor, um ativista antifascista de Kostroma que não quis dar seu sobrenome, disse que se tornou "moderno e descolado" participar dessas gangues de direita radical.>
"Eles querem se encaixar, criar uma imagem de durão para si mesmos.">
Em abril, Anton se alistou para lutar pela Rússia na invasão em grande escala da Ucrânia, embora, quando conversou com a BBC, seus motivos parecessem pouco claros.>
"Basicamente, apenas porque meu pai era soldado", disse ele à BBC, explicando que seu falecido pai havia servido na conturbada região sul da Chechênia, que há muito tempo é palco de um conflito separatista.>
"Não me alistei para defender as ideias de ninguém", ele acrescentou. "Se eu for morto, serei morto.">
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