Publicado em 21 de junho de 2025 às 17:39
"O terreno contribui para a vitória.">
O Exército do Irã seguiu à risca a observação do militar prussiano Carl von Clausewitz (1780–1831), que em seu tratado Da Guerra afirmou que rios, florestas, montanhas e outros acidentes geográficos, além de dificultarem "o avanço do inimigo", também oferecem "a oportunidade de nos organizarmos sem sermos vistos".>
Foi assim que os militares iranianos aproveitaram as montanhas acidentadas que atravessam o país para construir sob elas uma rede de túneis onde armazenam mísseis de diferentes tamanhos e capacidades.>
Essas instalações subterrâneas foram batizadas de "cidades de mísseis". Meses antes de Israel iniciar bombardeios contra o Irã, alegando que queria "neutralizar" seu programa nuclear, líderes militares iranianos apresentaram a mais recente dessas estruturas.>
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O termo "cidades de mísseis" é usado pela Guarda Revolucionária Islâmica (GRI) para se referir a bases subterrâneas de foguetes que o país vem construindo há décadas.>
Essas estruturas consistem em uma série de túneis vastos, profundos e interligados, frequentemente localizados em áreas montanhosas, explicou Farzad Seifikaran, do serviço persa da BBC.>
Nessas instalações são armazenados e preparados para lançamento mísseis balísticos e de cruzeiro, além de outras armas estratégicas, como drones e sistemas de defesa aérea.>
Um vídeo divulgado em fevereiro pela GRI mostra imagens em time-lapse de quase uma dúzia de caminhões com lançadores de foguetes sobre seus reboques, estacionados em túneis sinuosos.>
A seguir, o vídeo mostra uma praia, de onde um míssil é disparado da parte traseira de um caminhão em direção ao mar.>
No entanto, o serviço persa da BBC lembra que comandantes militares iranianos já afirmaram que essas "cidades de mísseis" não são apenas depósitos, mas também funcionam como fábricas "para a produção e preparação dos foguetes para que possam entrar em operação".>
A localização exata dessas bases, assim como seu número, é desconhecida. Ainda assim, ao apresentar a mais recente delas, o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da Força Aeroespacial da GRI, garantiu que existem "muitas".>
Hajizadeh foi um dos altos comandantes iranianos mortos no início da atual campanha militar de Israel contra o regime dos aiatolás.>
As autoridades militares iranianas construíram essas "cidades de mísseis" subterrâneas com o objetivo de protegê-las de eventuais ataques israelenses, como os que ocorrem desde 13 de junho.>
"O Irã construiu essas bases para armazenar e lançar seus mísseis sem que fossem detectados por satélites", disse Behnam Ben Taleblu, diretor do Programa sobre o Irã da Fundação para a Defesa das Democracias, centro de estudos com sede em Washington (EUA).>
No vídeo em que apresentou a mais recente base, o falecido general Hajizadeh afirmou que a instalação foi construída a 500 metros de profundidade e reforçada com várias camadas de concreto.>
Se essas características forem verdadeiras, até mesmo os Estados Unidos teriam dificuldades para destruí-la com suas bombas mais potentes, admitiu Michael Ellmer, ex-fuzileiro naval dos EUA e analista da firma de inteligência britânica Grey Dynamics, em artigo publicado em 2021.>
"No entanto, se conseguirem atingir as baias de lançamento escavadas na rocha (para o disparo de alguns mísseis), essas bases poderiam ser inutilizadas", explicou.>
Ainda assim, Ben Taleblu afirmou que o maior desafio para Israel e os EUA é localizar essas instalações.>
"É preciso detectá-las primeiro. Até agora, não se sabe onde estão", afirmou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.>
Patrycja Bazylczyk, diretora do Projeto de Defesa contra Mísseis do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), também com sede nos EUA, fez avaliação semelhante.>
Segundo ela, "alvos subterrâneos são difíceis, mas não impossíveis de atingir".>
"A superioridade aérea israelense deveria permitir que seus caças, equipados com bombas apropriadas, ataquem essas 'cidades de mísseis', degradando ainda mais os estoques iranianos", disse à BBC Mundo.>
O Irã não esconde apenas suas bases de mísseis, mas também parte de sua frota aérea e até algumas embarcações.>
As imagens divulgadas por Teerã mostram mísseis de cruzeiro Kheibar Shekan, Haj Qasem, Emad, Sejjil, Qadar-H e Paveh.>
O Irã afirma que, com esses foguetes, poderia atingir alvos a até 2.000 km de distância — o que inclui Israel, Arábia Saudita, Índia, Rússia ou China.>
Os mísseis balísticos Emad foram usados no ataque lançado pelo Irã contra Israel em abril de 2024, que causou danos à base aérea de Navatim, no centro do país.>
Durante o atual conflito, o míssil Sejjil também foi empregado, embora tenha sido interceptado pelas defesas aéreas israelenses, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra dos EUA (ISW, na sigla em inglês).>
O Sejjil é um míssil balístico de 18 metros, com duas fases, desenvolvido por cientistas iranianos na década de 1990. É um dos de maior alcance, com até 2.000 km.>
O uso do Sejjil parece refletir os desafios enfrentados pelo Irã para responder aos ataques israelenses, já que está sendo necessário lançá-lo de posições mais ao interior do país.>
As Forças de Defesa de Israel (FDI) afirmam ter destruído entre metade e dois terços das plataformas lançadoras iranianas desde o início da atual ofensiva contra o regime dos aiatolás.>
O uso do míssil Sejjil levanta outra preocupação. Segundo o CSIS, tanto ele quanto outros modelos do arsenal iraniano têm capacidade para transportar ogivas nucleares — embora hoje carreguem apenas explosivos convencionais.>
Mas isso leva a uma questão central: as "cidades de mísseis" estão conectadas ao controverso programa nuclear iraniano, que Israel deseja destruir? Os especialistas ouvidos pela BBC Mundo dizem que não há evidências disso.>
"As principais bases de mísseis do Irã, como a de Kermanshah, não estão diretamente vinculadas ao programa nuclear, já que os mísseis ali armazenados são convencionais", afirmou Sidharth Kaushal, pesquisador do Instituto Real de Serviços Unidos (RUSI), do Reino Unido.>
"Dito isso, mísseis como o Shahab-3 ou o Khorramshahr provavelmente seriam candidatos para o lançamento de uma ogiva nuclear, caso o Irã venha a desenvolver uma", completou.>
Ben Taleblu concorda: "Se o Irã decidir transformar seu programa nuclear em armamento, já tem foguetes para isso".>
A inteligência dos EUA estima que o Irã possuía cerca de 3 mil mísseis de diversos tipos e alcances — a maioria deles armazenada nas bases subterrâneas, segundo o ISW.>
O Exército israelense, por sua vez, acredita que o arsenal de foguetes iraniano seja de cerca de 2 mil unidades, e lembra que cerca de 370 já foram utilizados desde 13 de junho.>
Para o ISW, a perda de várias plataformas móveis de lançamento, de sistemas de defesa aérea e de comandantes militares estaria prejudicando a capacidade de resposta do Irã — o que se reflete na redução do número de mísseis disparados contra Israel nos últimos dias, em comparação com o início do conflito.>
Ainda assim, especialistas ouvidos pela BBC reforçam que as chamadas "cidades de mísseis" seguem representando uma ameaça significativa para Israel.>
"Essas instalações são — e certamente continuarão sendo — alvos de Israel, porque delas podem ser lançados mísseis com capacidade de atingir seu território", disse Ben Taleblu.>
Bazylczyk compartilha da mesma avaliação: "A destruição dessas instalações limitaria ainda mais a capacidade de resposta militar do regime iraniano".>
Nesta semana, aviões e mísseis israelenses atacaram três dessas bases subterrâneas localizadas em Jorramabad, Kermanshah e Tabriz, de acordo com relatório do CSIS.>
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