Publicado em 10 de setembro de 2025 às 05:32
Nesta semana, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir se condena ou não os oito réus do chamado núcleo crucial da trama golpista após as eleições de 2022. >
Entre os julgados, estão seis militares — da reserva, da ativa ou reformados (aposentados): o ex-presidente Jair Bolsonaro; o ex-candidato a vice general Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa general Paulo Sergio Nogueira; o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid; o almirante da Marinha Almir Garnier; e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional general Augusto Heleno.>
Mas não é todo o futuro desses militares que será definido no julgamento do STF.>
Mesmo que sejam condenados à prisão, os seis continuarão com suas patentes e manterão seus salários de até R$ 38 mil, ao menos por enquanto.>
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Como determina a Constituição, os militares só podem ser excluídos das Forças Armadas por meio de um processo judicial específico na Justiça Militar.>
É o Superior Tribunal Militar (STM) que irá avaliar se condenados são considerados "indignos" ou "incompatíveis" à função militar. >
Num evento em São Paulo no último dia 29 de agosto, a presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, disse que caberá à Corte que comanda exercer papel de "tribunal de honra" em casos de perda do posto de oficiais das Forças Armadas eventualmente condenados pelo STF. >
Caso o STM entenda que os militares não são "dignos" de fazer parte do quadro das Forças, eles perdem suas patentes — e consequentemente seus salários, se não houver mais possibilidade de recurso, esclarece Erika Kubik, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Justiça Militar.>
"A perda de salário vem junto à perda de patente. É uma coisa única, colada, porque ele deixa de ser militar", diz. >
Mas esse salário pode se tornar uma pensão ao cônjuge ou filho menor do militar.>
"É a tal morte ficta, caso peculiar previsto na legislação de pensões militares, que possui muitas críticas", explica à BBC News Brasil a juíza federal da 12ª Circunscrição Judiciária Militar Patrícia Gadelha.>
O entendimento da morte ficta considera a expulsão de um militar como se fosse o seu falecimento, garantindo assim pensão a seus dependentes.>
Se houver decisão do STM para perda de patente, haveria então um processo administrativo dentro da respectiva Força Armada, explica o advogado Agnaldo Bastos, especialista em direito público e direito militar.>
"O entendimento majoritário é que perda de patente implica perda do soldo e status militar, mas não extingue a pensão de dependente já constituído. Vai ser analisado caso a caso", diz. >
"Cada força vai abrir um processo interno para verificar direitos envolvidos sobre reserva, reforma, dependentes e direito à pensão", completa Bastos.>
De acordo com a Lei de Pensões Militares, com a morte ficta do militar os dependentes passam a receber pensão proporcional ao tempo de serviço. >
Esse assunto, inclusive, tem sido alvo de discussão nos últimos meses em Brasília.>
Em um projeto de lei proposto pelo governo Lula em 2024 para alterar aposentadoria dos militares, um dos itens pede justamente o fim dos casos em que a família de um militar expulso recebe pensão.>
Pela proposta, a família passaria a receber auxílio-reclusão, no valor da metade da última remuneração do ex-militar, durante o período em que ele estiver cumprindo pena de reclusão por sentença condenatória transitada em julgado.>
Parlamentares de direita e ligados às Forças Armadas já têm se articulado para retirar esse trecho do projeto de lei.>
Em análise recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou que o direito à pensão militar "por morte" só ocorre após a morte real e não após a expulsão ou a demissão do militar.>
Essa situação dos militares é diferente de outros funcionários públicos, que podem perder sua função (e salário) caso sejam condenados a prisão, já na decisão do juiz que o condena.>
No caso de Bolsonaro, o ex-presidente recebe cerca de R$ 12,8 mil do Exército. Ele é um capitão reformado, uma espécie de aposentadoria no mundo militar.>
Além dos vencimentos do Exército, Bolsonaro recebe ainda cerca de R$ 41 mil da aposentadoria de deputado pela Câmara. Como é presidente de honra do Partido Liberal (PL), o ex-presidente ganha outros R$ 41 mil, segundo divulgado pelo partido à imprensa.>
Entre todos os réus militares julgados pelo STF, quem recebe o maior salário das Forças é o general Augusto Heleno, no valor de R$ 38,1 mil. Ele recebe proventos equivalentes ao posto de marechal — benefício comum a militares que passam à reserva com remuneração de um cargo acima do que ocupavam na ativa.>
Além dos seis réus militares, há dois civis que saberão suas penas nesta semana: o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem. >
Segundo o Código Penal Militar, um militar só pode perder a patente por uma decisão do Superior Tribunal Militar (STM) — seja ele da ativa, da reserva ou reformado.>
Há distintos caminhos a depender da pena estabelecida na Justiça comum sem possibilidade de recurso, explica a professora Erika Kubik, da UFF.>
Caso a pena seja menor do que dois anos de prisão, é acionado o chamado Conselho de Justificação dentro das Forças Armadas — espécie de processo administrativo. A depender da decisão do conselho e consequente avaliação do comandante da Força, o caso sobe ao STM.>
Mesmo que o réu seja totalmente absolvido no STF, o Ministério Público Militar (MPM) também pode entrar com ação "por entender, ainda assim, que há ali uma desonra militar", diz Kubik. >
Agora, se a pena aos militares no STF for maior do que dois anos de prisão, o processo no STM é automático. >
"No caso de condenação acima de dois anos, não há a participação da Força Armada. É o MPM que promoverá, ao seu exclusivo critério, a ação", explica à BBC News Brasil o procurador-geral de Justiça Militar Clauro Roberto de Bortolli.>
Segundo Bortolli, seu posicionamento atual "é no sentido de oferecer, sempre, a ação de representação, após ter a ciência da condenação de um oficial a pena acima de dois anos".>
No STM, o julgamento será para avaliar a "indignidade ou incompatibilidade" — ou seja, não é um julgamento criminal, mas perante um "tribunal de honra".>
Não há um prazo fixo para que o STM termine esse julgamento, que deve ser individual para cada militar.>
"O prazo não é específico, mas como a situação tem repercussão institucional, envolve militares alta patente, é possível haver uma celeridade", avalia o advogado especialista Agnaldo Bastos>
Uma vez que haja a decisão do STM, os réus só poderiam apelar para algum recurso caso a defesa entenda que a decisão violou algum dispositivo da Constituição, avalia a juíza Patrícia Gadelha. >
Ou seja: não cabe apelação dentro da Justiça Militar, mas é possível provocar o STF. >
"Uma vez declarada a indignidade, a perda do posto e da patente é definitiva, salvo reforma posterior da decisão em instância constitucional, o STF", diz.>
Desde 2018, 47 militares das Forças Armadas foram condenados com a perda da patente, segundo o MPM.>
Encerrado o processo no STM e caso os réus sejam excluídos das Forças Armadas, eles não recebem mais o "salário" propriamente dito. >
No caso dos julgados por tentativa de golpe nesta semana, eles recebem hoje como militares os seguintes valores, segundo dados do Portal da Transparência em junho de 2025:>
Esses são os valores brutos do salário — sem descontos.>
Durante o julgamento no STF, o advogado do almirante Almir Garnier, o ex-senador Demóstenes Torres, chegou a dizer que o militar "não tem recurso para pagar advogado".>
"Um dia bateu nas minhas portas o almirante Garnier. Eu fiquei com pena dele. Porque é uma pessoa que vai inteirar agora 65 anos de idade [...]Ele não teve dinheiro para pagar", disse Torres.>
Também durante o julgamento, o advogado de Mauro Cid, o relator que confessou os planos golpistas, disse que seu cliente pediu para ir à reserva do Exército, por não ter mais "condições psicológicas" de seguir na ativa. >
Caso o Exército aceite o pedido, Cid passa a receber como militar da reserva — e, caso condenado pelo STM e STF, é possível que o vencimento passe para seus dependentes.>
Isso porque a lei que dispõe sobre as pensões militares aponta que o oficial que perder posto e patente deixa aos seus beneficiários a "pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço".>
"A pensão militar tem legislação própria e ela não se confunde com salário do militar ativo", explica o advogado Agnaldo Bastos.>
"O valor não passa automaticamente à família. O que pode existir é o direito a pensão, isso vai depender se aquele militar já tinha alcançado tempo de serviço, se cumpriu requisitos. Cada caso é avaliado", completa o especialista.>
A BBC News Brasil entrou em contato com o Exército e Marinha para mais esclarecimentos sobre o processo administrativo, mas não obteve resposta.>
Bastos explica ainda que para servidores públicos não militares, a própria Constituição diz que uma sentença condenando a pessoa no âmbito criminal já pode gerar perda de cargo. Não há um processo interno como o dos militares.>
"Na decisão judicial que condena servidor, automaticamente vai trazer de forma expressa que em decorrência de condenação o servidor vai perder cargo e salário.">
O projeto de lei do governo Lula que muda a regra para aposentadoria e pensão de militares está nas mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).>
Ao anunciar o projeto, que inclui ainda idade mínima para militares irem para reserva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que seriam "mudanças justas e necessárias" para combater "privilégios incompatíveis com o princípio da igualdade".>
Segundo Haddad, foi feito um acordo com as Forças Armadas para acabar com morte ficta.>
A proposta foi apresentada em novembro, quando o governo anunciou medidas para economizar R$ 70 bilhões em dois anos aos cofres públicos, visando o ajuste fiscal.>
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