Publicado em 21 de junho de 2025 às 06:39
O avanço das redes móveis como o 5G e o próprio conceito da computação "em nuvem" podem dar a impressão de que a infraestrutura por trás da internet hoje em dia é sem fio. >
A realidade, contudo, é que ela é majoritariamente ligada por cabos.>
Uma parte importante dessa rede está debaixo d'água: quase 600 cabos submarinos de fibra óptica conectam o mundo hoje, funcionando como uma espécie de espinha dorsal da internet.>
É por meio deles que os dados viajam de um continente para outro — os filmes que você assiste pelos serviços de streaming, as fotos que compartilha pelas redes sociais, os arquivos que salva na nuvem.>
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No Brasil, a maioria dessas "rodovias" de informação chega por um mesmo lugar. Na praia do Futuro, em Fortaleza, 16 cabos submarinos ligam o país à Europa, à África, ao Caribe, aos EUA.>
A concentração faz da capital cearense uma das cidades com maior quantidade de cabos submarinos ancorados no mundo. >
Segundo a TeleGeography, consultoria que mantém uma base de dados sobre infraestrutura de telecomunicações, é a primeira na América Latina e a 17ª no mundo. Cingapura está no topo da lista, com 28 cabos.>
"Fortaleza acolhe a grande maioria dos cabos submarinos que chegam ao Brasil e concentra perto de 90% do tráfego internacional que chega ou sai do país", diz Antonio Moreiras, gerente de projetos e desenvolvimento do NIC.br, entidade que implementa as decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil e é responsável pela emissão e registro dos domínios ".br".>
A principal razão é geográfica: a cidade é um dos centros urbanos brasileiros mais próximos simultaneamente tanto dos EUA quanto da Europa e da África, diz Rodrigo Porto, professor titular de Telecomunicações da Universidade Federal do Ceará (UFC).>
"A praia do Futuro, por sua vez, tem um leito oceânico estável, ou seja, sem muita movimentação de sedimentos no fundo, não é uma das regiões mais densamente povoadas da cidade e tem terrenos disponíveis para construção", acrescenta o especialista.>
Essa faixa do litoral é um dos principais destinos turísticos da cidade — é lá que estão as mega barracas procuradas por turistas e locais especialmente aos finais de semana. >
A alta concentração de maresia, contudo, deixou a praia do Futuro às margens do processo de especulação imobiliária que transformou outras regiões da capital cearense nos últimos anos.>
"E tem um fator hoje importante, que vem ganhando força, que é o fato de o Estado [do Ceará] ser um grande produtor de energia renovável, solar e eólica", acrescenta Porto.>
Esse conjunto de fatores, segundo o professor, consolidou Fortaleza como um hub de conectividade.>
Dados do NIC.br mostram que a cidade ultrapassou recentemente o Rio de Janeiro e passou a ser a segunda com maior tráfego de dados pela internet entre as 38 cidades (ou "ponto de troca de tráfego", no jargão do setor) acompanhadas pela entidade. A primeira é São Paulo.>
Os cabos submarinos são como grandes rodovias que permitem que a informação circule com rapidez pela rede mundial de computadores.>
Sua principal função é transportar dados entre data centers, que são, por sua vez, estruturas que operam como uma espécie de "cérebro" da internet.>
É nessas instalações que empresas como Google, Meta, Netflix e Amazon armazenam dados. Por isso, são ambientes com níveis de segurança extremamente elevados. >
Os centros de dados do Google, por exemplo, chegam a usar identificação biométrica da íris para controlar quem tem acesso a determinados espaços.>
Em Fortaleza, atualmente seis data centers operam com níveis mais elevados de certificação de segurança, que garante que os equipamentos continuem a funcionar mesmo diante de intempéries climáticas severas e de falta de energia.>
A BBC News Brasil visitou um deles, o da Angola Cables, que ocupa uma área de 3 mil metros quadrados a cerca de 850 metros da orla da praia do Futuro.>
O espaço que abriga dezenas de armários de ferro com servidores de clientes é totalmente vedado e tem temperatura e umidade controladas 24 horas por dia. >
O acesso é permitido a poucos funcionários, que precisam deixar equipamentos eletrônicos guardados em uma gaveta com chave antes de adentrar a porta giratória que liga os espaços do prédio.>
Segundo a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice), há pelo menos outros três espaços como esse em construção, com investimentos previstos em R$ 2,1 bilhões. >
Além de um megaempreendimento com investimento previsto de R$ 50 bilhões que deve ser erguido na região do porto do Pecém, próxima à Fortaleza, para abrigar um data center que, conforme noticiou recentemente a agência de notícias Reuters, estaria gerando interesse em grandes empresas de tecnologia como a chinesa ByteDance, dona do TikTok.>
À reportagem, o TikTok afirmou que no momento não confirma nem nega a informação. >
A Casa dos Ventos, responsável pelo projeto, disse que o início da construção está previsto para o segundo semestre de 2025 e que a expectativa é que o complexo entre em operação em 2027. >
A estrutura que a reportagem visitou é também estação de desembarque de um dos 16 cabos que chegam a Fortaleza, no caso, o que vem de Angola.>
Depois de viajar milhares de quilômetros pelo fundo mar — quando um navio literalmente foi desenrolando o fio de um carretel e posicionando o cabo no leito oceânico pelo caminho, a profundidades que chegaram a milhares de metros —, ele foi aterrado na praia do Futuro até alcançar o interior do prédio do data center, de onde foi conectado à rede interna do país em 2018.>
A parte visível dele fica dentro de um armário de ferro protegido na área controlada do prédio.>
Os data centers são um pedaço da enorme infraestrutura física responsável por manter a internet em funcionamento.>
É desses centros de armazenamento que os dados viajam, também por uma malha de cabos, até finalmente chegarem às redes sem fio de wi-fi ou às redes móveis de 4G/5G que hoje geralmente entregam a informação ao usuário final.>
É o que acontece, por exemplo, quando o assinante de um serviço como a Netflix clica em um filme na plataforma.>
O período que o site leva para carregar o arquivo é o tempo de o dado sair de um dos data centers onde a Netflix guarda seu catálogo — nesse caso, aquele que for mais próximo de onde mora o usuário —, percorrer os fios de fibra óptica até a vizinhança do assinante e ser distribuído pelo wi-fi ou a rede de telefonia móvel para uma televisão ou um celular.>
Caso o filme que o usuário escolheu não esteja em um data center no Brasil, ele primeiro viaja de outro continente pelo cabo submarino até o território nacional para depois fazer esse caminho.>
Tudo isso geralmente acontece em menos de um segundo, graças à tecnologia da fibra óptica, por onde a informação viaja em velocidade próxima à da luz.>
"A nuvem é só uma imagem que a gente usa, mas, na verdade, tudo é engenharia, tudo tem meio físico, tem equipamento", comenta o professor Rodrigo Porto.>
Cerca de 97% dos dados que circulam de um continente para outro trafegam pelos cabos submarinos, conforme os registros da Agência Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (Enisa) repassados à reportagem pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). >
Os satélites correspondem apenas por uma fração dos 3% restantes. Segundo Porto, eles hoje desempenham mais um papel complementar, para chegar a regiões remotas, onde a infraestrutura de fibra óptica não está presente.>
Os cabos submarinos têm uma vida útil média de 25 anos, quando geralmente são substituídos, em operações que custam centenas de milhões de dólares.>
Antes disso, contudo, estão sujeitos a problemas técnicos — e até a sabotagem.>
Mergulhadores conseguem fazer reparos em regiões costeiras, diz Porto, mas caso a pane aconteça em grandes profundidades, a alternativa pode ser enviar um robô ou pinçar o cabo de volta à superfície para que um técnico possa fazer o serviço necessário.>
"É realmente bem complexo", comenta o professor, emendando que, dada sua importância, os cabos têm ganhado protagonismo na geopolítica global e virado inclusive alvo de ações militares.>
Nos últimos dois anos, desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, pelo menos 11 cabos submarinos no mar Báltico foram danificados, sob suspeita de sabotagem por parte das Forças Armadas russas.>
No caso dos cabos ancorados na praia do Futuro, para ficar no exemplo ilustrativo da Netflix, caso houvesse problema em um deles, uma possível consequência poderia ser a demora para atualizar o cardápio de filmes e séries, já que a transmissão de dados entre continentes seria prejudicada.>
O transtorno não seria maior porque boa parte do tráfego de internet no Brasil tem origem no próprio país, algo entre 70% e 80%, conforme os dados do NIC.br.>
"Haveria impacto principalmente nas conexões que dependem de servidores fora do país", explica Antonio Moreiras, gerente de projetos e desenvolvimento da entidade.>
"A maior parte do vídeo, da rede social e do cloud seguiria fluindo normalmente, graças ao IX.br", acrescenta, referindo-se à infraestrutura da internet brasileira.>
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