Publicado em 18 de outubro de 2025 às 16:33
À medida que milhares de pessoas faziam o caminho de volta aos bairros em Gaza após o cessar-fogo, muitas já sabiam que suas casas estavam em ruínas.>
A perspectiva de reconstrução de moradias, comércios e todas as instituições e serviços necessários para o retorno de uma vida normal é assustadora sob qualquer medida: a ONU estima que os danos chegam a US$ 70 bilhões (R$ 380 bilhões, na conversão atual). >
Para Andreas Krieg, especialista em segurança no Oriente Médio e professor da King's College London, "é pior do que começar do zero". >
"Aqui você não está começando na areia, você está começando com escombros", declarou. >
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O nível de destruição na Faixa de Gaza está, hoje, em cerca de 84%, segundo Jaco Cilliers, representante especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para os palestinos. >
"Em algumas partes, como na Cidade de Gaza, chega a 92%.">
A destruição gerou uma quantidade colossal de escombros.>
Análises da BBC Verify, baseadas em dados recentes de satélite, sugerem que pode haver mais de 60 milhões de toneladas de destroços aguardando remoção em Gaza. >
Em qualquer processo de reconstrução pós-conflito deve-se começar pela limpeza dos vestígios da guerra. >
Milhares de toneladas de escombros que agora cobrem a Faixa de Gaza não são apenas pilhas de concreto e metal retorcido — eles contêm restos humanos e bombas não detonadas.>
"Do ponto de vista de segurança e humanidade, a primeira coisa que precisa ser feita é tornar seguros esses locais que foram bombardeados", diz Philip Bouverat, ex-executivo da JCB. >
Em seguida, vem o processo de triagem, separação e trituração dos destroços. Depois que materiais como plástico e aço são removidos, o concreto remanescente pode ser moído e reutilizado. >
Isso servirá de base para a construção, mas o esforço de construir exigirá importação de materiais. >
"Não é algo que vai ser feito por caminhões cruzando a fronteira. A primeira coisa que precisamos fazer é construir um porto de águas profundas, porque assim será possível trazer milhares de contêiners carregados", acrescentou. >
Só quando as áreas forem limpas é que serviços essenciais como água, esgoto e eletricidade poderão ser restabelecidos. >
Água potável é a principal necessidade imediata para os moradores de Gaza. >
De acordo com estimativas da Unicef, mais de 70% da 600 estações de água e saneamento do território foram danificadas ou destruídas desde 7 de outubro de 2023. >
Após o recente anúncio de cessar-fogo, soldados israelenses posaram em frente a uma estação de tratamento de esgoto na Cidade de Gaza que havia sido incendiada.>
O dano aconteceu pouco antes das Forças Armadas de Israel se retirarem de uma posição próxima a essa estrutura. >
O tratamento da água residual é fundamental para evitar o acúmulo de esgoto e propagação de doenças. >
Os médicos afirmam que Gaza apresenta altas taxas de doenças diarreicas — que podem matar crianças — e risco de cólera em algumas áreas. >
Em imagens de satélite, é possível ver os danos causados às biotorres de tratamento de água e esgosto de Sheikh Ejleen.>
Há seis estações de tratamento de esgoto em Gaza. >
"Todas elas estão danificadas", afirma Maher Najjar, vice-diretor da Coastal Municipalities Water Utility (CMWU), órgão responsável pela supervisão e reparo da infraestrutura hídrica de Gaza. >
Desde o início da guerra, os trabalhos de reparo têm sido severamente dificultados pelo perigo constante de ataques aéreos e da artilharia israelense, além da escassez de ferramentas, diz Najjar. >
Algumas estações foram atacadas novamente depois de passar por reparos. >
As Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês) afirmaram que suas ações são "baseadas na necessidade e estão de acordo com o direito internacional", em sua tentativa de impedir o Hamas de "ameaçar cidadãos de Israel". >
Além das estações de tratamento de esgoto, Gaza possui instalações separadas para o fornecimento de água potável, que também sofreram grandes danos. >
Imagens de satélite de abril de 2024 mostram uma estação de dessalinização de água do mar — que abastecia o norte de Gaza e a Cidade de Gaza — ainda intacta. >
Mas, no início de maio, ela já havia sido destruída. >
"Estamos falando sobre danos a poços de água, redes, reservatórios e linhas de transporte. É muito difícil saber por onde começar. Inicialmente, precisamos de pelo menos US$ 50 milhões para restaurar cerca de 20% dos serviços para a população", estimou Najjar.>
"O prejuízo total está em torno de US$ 1 bilhão, talvez até mais.">
Imagens de satélite também mostram a devastação na área de Sheikh Radwan, um bairro no nordeste da Cidade de Gaza. >
Em agosto, antes das forças israelenses ocuparem a região — que foi chamada de último reduto do Hamas — muitas ruas pareciam em grande parte intactas. >
Mas, na última semana, áreas do bairro foram arrasadas, à medida que as IDF estabeleciam uma base militar no local. >
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O centro de satélites da ONU, Unosat, estima que um total de 282,904 casas e apartamentos em toda a Faixa de Gaza foram danificados ou destruídos durante a guerra.>
Mas esse número provavelmente está subestimado, porque ainda não inclui as recentes operações militares na Cidade de Gaza, como a destruição em Sheikh Radwan. >
O gráfico abaixo mostra como o número de moradias danificadas aumentou exponencialmente no meio de 2024, coincidindo com as operações das IDF em Rafah, que deixaram grande parte da cidade em ruínas. >
Outro aumento significativo provavelmente ocorreu como resultado da ocupação na Cidade de Gaza. >
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A Prefeitura de Gaza, administrada pelo Hamas, afirmou que 90% das rodovias também sofreram algum tipo de dano. >
De acordo com Shelly Culbertson, pesquisadora sênior da RAND Corporation, uma think tank com sede em Washington, a reconstrução das unidades habitacionais em Gaza "pode levar décadas".>
"Após os bombardeios israelenses em Gaza, em 2014 e 2021, a reconstrução de casas foi lenta porque Israel não permitia a entrada de muitos materiais de construção, alegando que tinham usos duplos", afirma. >
"Se reconstruíssemos hoje da mesma forma que fizeram em 2014 e 2021, levaria 80 anos. Se houver um bom planejamento, pode levar menos tempo.">
Segundo Culbertson, bom planejamento significa "projetar campos que possam se transformar em bairros e ajudar as pessoas a voltarem e reconstruirem as casas destruídas". >
O sistema de energia de Gaza já estava sob pressão antes da guerra atual. >
Apagões eram frequentes e a maioria da população tinha acesso a horas limitadas de eletricidade por dia. >
Historicamente, o maior fornecimento da eletricidade de Gaza vem de linhas de transmissão conectadas a Israel e da Usina Elétrica de Gaza, movida a diesel, com alguns painéis solares em telhados e instalações públicas adicionados nos últimos anos. >
Desde 11 de outubro de 2023, Gaza enfrenta algo próximo de um apagão total, após Israel cortar a eletricidade externa.>
Uma exceção foi a estação de dessalinização do Sul de Gaza, que fornece água potável. >
Israel reconectou seu fornecimento a essa estação em 14 de novembro de 2024, cortou novamente em 09 de março de 2025, e reconectou mais uma vez. >
A Usina Elétrica da Gaza está inoperante devido à falta de combustível, e as instalações solares sofreram dandos generalizados. >
Com a rede elétrica em grande parte sem funcionar, os serviços essenciais passaram a depender de geradores a diesel limitados e painéis solares restantes. >
Uma avaliação conjunta realizada no início do ano pelo Banco Mundial, a União Europeia e a ONU estimou que mais de 80% da infraestrutura de geração e distribuição de energia tinha sido destruída ou estava fora de operação desde o início da guerra, com danos estimados em mais de US$ 494 milhões. >
A Corporação de Distribuição de Eletricidade em Gaza (Gedco), responsável pelo fornecimento de eletricidade em toda a Faixa de Gaza, afirmou que 70% de seus prédios e instalações foram destruídos desde outubro de 2023. >
No fim de setembro, a BBC verificou um vídeo da sede da companhia sendo atacado. >
Em nota divulgada após o evento, a Gedco disse que o ataque tinha "afetado diretamente a capacidade da companhia de conduzir suas atividades administrativas e técnicas". >
A imagem de satélite abaixo, de uma área ao leste de Jabalia, mostra como cerca de 4 km² de plantação — provavelmente de oliveiras e frutas cítricas — foram devastadas durante a guerra. >
Atravessando o terreno arrasado há uma rodovia ou estrada aberta pelas IDF, provavelmente criada para permitir o acesso às regiões do norte da vizinha Cidade de Gaza. >
Uma análise feita pelo professor He Yin, da Universidade Estadual de Kent, constatou que, ao longo da Faixa de Gaza, 82,4% das plantações anuais e mais de 97% das plantações de árvores provavelmente sofreram danos durante a guerra até 10 de agosto deste ano. >
O colapso da agricultura, aliado às restrições prolongadas à ajuda humanitária, provocaram grave insegurança alimentar ao longo do conflito, o que culminou na confirmação de fome na Cidade de Gaza em setembro. >
O Unosat atribui esse declínio ao "impacto de atividades como desmatamento, movimentação de veículos pesados, bombardeios, disparos, e outras dinâmicas relacionadas ao conflito.">
Segundo Bouverat, para que a agricultura se recupere, é necessário remover bombas que não foram detonadas, projéteis e minas "urgentemente". >
"Se eles puderem voltar a cultivar suas plantações, poderão se alimentar, e quanto antes conseguirmos isso, melhor", afirmou.>
Cerca de metade da população de Gaza antes da guerra tinha menos de 18 anos, por isso, reconstruir escolas é essencial para o retorno à vida normal. >
Durante o conflito, os prédios das escolas se transformaram em abrigos para palestinos deslocados, mas foram frequentemente alvo das IDF, sob justificativa de que abrigavam centros de "comando e controle" do Hamas e grupos afiliados. >
A Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina (Unrwa), que antes operava em 288 escolas em Gaza, disse que 91,8% de todos os prédios escolares vão precisar e "reconstrução completa ou grandes obras para voltarem a funcionar". >
Instituições de ensino superior também não foram poupadas. >
Em dezembro de 2023, a Universidade de al-Azhar, localizada no sul da Cidade de Gaza, foi alvo de uma explosão por tropas israelenses. >
O local agora faz parte do Corredor Netzarim, uma das várias zonas militarizadas estabelecidas pelas IDF ao longo da guerra. >
O mesmo destino teve a Universidade Israa, situada a menos de 2 km, que foi demolida pelas tropas das IDF depois de ter servido como base temporária por várias semanas. >
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