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Papa Francisco: como sacerdote considerado conservador na Argentina consolidou imagem progressista diante do mundo

Papa Francisco: como sacerdote considerado conservador na Argentina consolidou imagem progressista diante do mundo

Morreu nesta segunda-feira (21/04), aos 88 anos, o papa Francisco, primeiro papa sul-americano e jesuíta da história da Igreja Católica.

Publicado em 22 de abril de 2025 às 10:26

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O Vaticano confirmou a morte de Jorge Mario Bergoglio, por causa de um acidente vascular cerebral (AVC), seguido de um quadro de insuficiência cardíaca irreversível.

Ele faleceu em sua residência no Vaticano, Casa Santa Marta. O anúncio da morte do pontífice foi feito pelo cardeal Farrell:

"Caros irmãos e irmãs, é com profundo pesar que me cabe anunciar a morte de Sua Santidade Papa Francisco."

"Às 7:35 desta manhã (hora local. 2:35 de Brasília), o Bispo de Roma, Francisco, returnou à casa do Pai. Toda sua vida foi dedicada a servir ao Pai e Sua Igreja."

Quando foi anunciado que Jorge Mario Bergoglio se tornaria o primeiro papa latino-americano da história, em 2013, as ruas de Buenos Aires foram tomadas por fiéis entusiasmados.

Mas nem todos os argentinos aplaudiram.

Naquele momento, Bergoglio era visto por muita gente como um sacerdote conservador, que tinha sido próximo da ditadura argentina e que já havia se posicionado contra os homossexuais.

Porém, durante os mais de 12 anos em que esteve à frente da Igreja Católica, ele acabou com frequência recebendo outro rótulo: o de progressista.

Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires em 1936. Ele virou padre aos 32 anos, foi arcebispo de Buenos Aires, e se tornou papa aos 76 anos.

O Teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que papa Francisco tentou inserir a Igreja Católica no século 21,a algo que o seu predecessor, o papa Bento 16, não conseguiu fazer.

"Em um ambiente europeu, papal, Francisco jamais se esqueceu de que é latino-americano, enxergou os grandes problemas da Igreja neste século, e tentou de todas as formas — acertando em alguns casos, errando em outros — atualizar a agenda da Igreja."

Mas quais são as histórias de antes de Francisco ser Francisco?

Antes de chegar ao Vaticano, Bergoglio era um arcebispo que andava de ônibus e circulava entre as diferentes classes sociais na Argentina.

Mas também era criticado por omissão e até cumplicidade com a ditadura que comandou o país de 1976 a 1983.

Reportagens publicadas nos anos 1990 apontaram Bergoglio como confessor do general Jorge Rafael Videla, que mais tarde seria condenado por crimes contra a humanidade.

Quando Francisco assumiu o trono de São Pedro, uma das críticas de ativistas argentinos foi por não ter excomungado Videla.

Mas outros afirmam que foi uma postura coerente com o discurso de Bergoglio, que pregava o acolhimento de todos os que buscassem a Igreja.

Ainda na ditadura argentina, Bergoglio foi acusado em livros de história de ter traído dois padres vistos pelo regime como "comunistas" por realizarem trabalhos sociais.

Eles foram presos em um centro de tortura.

Autores escreveram que Bergoglio teria advertido os dois padres para que eles deixassem de realizar os trabalhos sociais que desempenhavam ou renunciassem à Companhia de Jesus. E a interpretação foi de que isso teria sido um recado de que ele era conivente com a repressão.

Mas Bergoglio negou essa acusação e disse que fez "o que podia" para ajudar os perseguidos.

Outro tema frequentemente lembrado é o posicionamento de Bergoglio a respeito da homossexualidade.

Em 2010, quando ele ainda era arcebispo de Buenos Aires, a Argentina aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Em uma carta de repúdio, ele disse o seguinte contra a medida: "Não sejamos ingênuos. Não se trata de uma simples luta política, mas da pretensão destrutiva do plano de Deus, de um homem e uma mulher crescerem e se multiplicarem".

Na época, Bergoglio criticou abertamente muitas das decisões da então presidente Cristina Kirchner, e o ápice essa aprovação do casamento gay.

Mas Bergoglio vira Francisco e as coisas mudaram.

Até o humor. Em sua autobiografia, Esperança, o próprio Papa Francisco reconhece que antes era visto como um padre "que nunca ria". Depois, se tornou um papa "que ri o tempo todo".

No tema dos homossexuais, a versão papa de Bergoglio deixou como marca falas de acolhimento.

Logo no primeiro dos seus anos no Vaticano, na volta de viagem ao Brasil, ele deu uma declaração que destoou da fala de outros papas.

"Se uma pessoa é gay e busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", questionou.

Mais recentemente, no documentário Francesco, de 2023, ele diz: "Os homossexuais têm direito a estar em família, são filhos de Deus. Não se pode expulsar uma pessoa de sua família ou tornar a vida impossível para ela".

Em 2023, uma decisão história do papa passou a autorizar que casais do mesmo sexo fossem oficialmente abençoados em igrejas.

E não é que essas mudanças tenham acontecido sem percalços. Em 2024, por exemplo, Francisco usou uma linguagem ofensiva em relação aos gays, o que levou a um pedido de desculpas dele.

E, sempre que perguntado, o papa manteve o posicionamento de que o sacramento do matrimônio seria reservado apenas a casais de homem e mulher.

Sobre o papel das mulheres, aliás, Francisco também foi visto por muitos como progressista para os padrões da Igreja Católica.

Em 2020, o papa decidiu criar uma comissão para estudar a ideia de que mulheres possam ser diaconisas e assumir funções hoje restritas a homens na Igreja, como celebrar batismos e casamentos.

Apesar disso, Francisco disse em diversas situações que não vê possibilidades de mulheres no clero.

Em 2016, aliás, ele disse acreditar que a proibição de mulheres padres é para sempre.

Ainda assim, o Vaticano nunca teve tantas mulheres em cargos importantes.

Em fevereiro, por exemplo, a freira italiana Raffaella Petrini foi escolhida como governadora da Cidade do Vaticano — a primeira vez que uma mulher ocupa esse cargo.

E o entendimento de Francisco sobre os chamados casais em segunda união também foi visto como um avanço.

Os divorciados vivendo outras relações não poderiam participar de momentos fundamentais para os católicos, como a comunhão, segundo o direito canônico.

Francisco mudou isso, dizendo que, com o acompanhamento pastoral de um padre, essas pessoas podem participar plenamente do dia a dia da comunidade católica.

Sobre a educação sexual em escolas, o papa Francisco também já declarou apoio. E, em 2024, disse que o prazer sexual é "um dom de Deus" que deve ser "disciplinado com paciência".

As mudanças não vieram sem polêmica, com a descrição de uma "guerra subterrânea" nos corredores da Santa Sé empreendida por opositores de Francisco.

O sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, editor do jornal da Arquidiocese de São Paulo, diz que, quando Bergoglio se torna o Papa Francisco "estava saturado com os excessos da comunidade conservadora argentina, que parecia só ver problemas de sexualidade e ideologia de gênero por todas as partes, além de ter uma postura moralista que pouco acolhia as pessoas" .

Ele diz que isso levou Francisco a fazer "um discurso mais voltado à acolhida e à justiça social."

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