Publicado em 25 de setembro de 2023 às 07:59
Poucos sabem, mas muitos dos remédios que usamos hoje em dia têm origens exóticas.>
Um exemplo é a semaglutida, conhecida pelas marcas comerciais Wegovy e Ozempic. >
O popular medicamento, usado para o tratamento do sobrepeso e da obesidade, foi, na verdade, inspirado no veneno do lagarto conhecido como monstro-de-gila (Heloderma suspectum).>
Cientistas descobriram que um hormônio do veneno desse réptil, chamado exendina-4, poderia ser usado para o tratamento de diabetes tipo 2. >
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A exendina-4 é similar a um hormônio encontrado em seres humanos chamado GLP-1, liberado depois de comer e importante para controlar os níveis de açúcar no sangue.>
As pesquisas sobre a exendina-4 geraram a semaglutida, que é um derivado da molécula que permanece no corpo por muito mais tempo, produzindo o efeito farmacológico desejado. >
Foi assim que surgiram o Wegovy e o Ozempic, que contêm semaglutida.>
O monstro-de-gila não é o único réptil que inspirou medicações inovadoras. >
O veneno da jararaca brasileira (Bothrops jararaca) levou ao desenvolvimento de uma classe de drogas conhecidas como inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECAs).>
No final dos anos 1960, pesquisadores estudaram o veneno dessa cobra e seus efeitos sobre a pressão sanguínea.>
Eles isolaram um peptídeo do veneno, que poderia inibir uma enzima conhecida como enzima de conversão da angiotensina (ECA) e, assim, reduzir a pressão sanguínea. >
O experimento resultou no desenvolvimento de uma versão sintética do peptídeo, chamada captopril.>
Embora o captopril seja raramente receitado hoje em dia, ele levou à geração seguinte de inibidores da ECA, como o enalapril, amplamente indicado para o tratamento da pressão alta e problemas cardíacos.>
Os venenos de criaturas da terra e do mar são uma rica fonte de compostos medicinais.>
Os caramujos são conhecidos por produzirem uma série de peptídeos no seu veneno que servem para imobilizar suas presas. >
E uma versão sintética de um dos peptídeos encontrados no veneno dos caramujos é utilizada no medicamento analgésico ziconotida.>
Outra criatura marinha, a ascídia caribenha, forneceu o medicamento contra o câncer, a trabectedina. >
Estudos realizados com trabectedina demonstraram resultados positivos no tratamento de câncer dos tecidos moles avançado, como lipossarcoma e leiomiossarcoma, tumores malignos e agressivos difíceis de tratar.>
Em 2015, a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), a agência de vigilância sanitária americana, aprovou em caráter de urgência o uso da trabectedina para o tratamento destes tipos de câncer em pacientes com câncer dos tecidos moles avançado que não reagiram à quimioterapia.>
As sanguessugas usadas na medicina também forneceram medicações que salvam vidas humanas.>
Quando essas criaturas se agarram a uma pessoa para sugar seu sangue, elas injetam compostos, como hirudina e calina, para evitar que o sangue das vítimas coagule.>
As drogas anticoagulantes bivalirudina e desirudina são derivadas de hirudina. >
Essas medicações são administradas a pessoas com alto risco de coágulos sanguíneos, como as portadoras de fibrilação atrial, um tipo de arritmia cardíaca. >
Nelas, se um coágulo sanguíneo obstruir uma artéria, ele pode causar uma parada cardíaca ou AVC (Acidente Vascular Cerebral, popularmente conhecido como derrame).>
Já outro coagulante chamado varfarina data dos anos 1920, quando bovinos começaram a morrer nos Estados Unidos e no Canadá, vítimas de uma misteriosa doença que causava sangramento nos animais.>
Descobriu-se que a causa era o trevo-doce mofado, usado para alimentar o gado. O composto prejudicial do mofo que causava o sangramento chama-se dicumarol, que foi desenvolvido para gerar a varfarina.>
A Varfarina foi inicialmente vendida como raticida, por ser muito eficaz para causar sangramento interno nos roedores. >
Mas os pesquisadores logo perceberam seu possível uso terapêutico em seres humanos como anticoagulante.>
A medicação decolou de verdade em 1955, quando o então presidente americano Dwight Eisenhower (1890-1969) sofreu um ataque cardíaco e foi tratado com varfarina, com sucesso.>
Já a nitroglicerina foi descoberta no século 19. >
Ela é derivada de glicerol e foi inicialmente observada pelas suas propriedades explosivas. Mas seu poder medicinal logo foi reconhecido.>
Homens de meia-idade que trabalhavam com explosivos, como os construtores de ferrovias, observavam, às vezes, que suas dores no peito diminuíam depois que manuseavam bananas de dinamite.>
Pesquisadores médicos ouviram esta história e desenvolveram um medicamento baseado em nitroglicerina para reduzir sintomas de angina (dor torácica causada pela falta de sangue), dilatando os vasos sanguíneos e aumentando o fluxo de sangue para o coração.>
A droga é utilizada até hoje, apesar do seu irritante efeito colateral de acionar os detectores de explosivos nos aeroportos.>
Por fim, precisamos agradecer ao gás mostarda, uma arma química mortal, por ter nos fornecido a quimioterapia.>
Durante a 1ª Guerra Mundial, cientistas observaram que o gás mostarda destrói o tecido linfático. >
Eles passaram, então, a cogitar se a substância poderia destruir células cancerosas em nódulos linfáticos.>
Mas foi apenas nos anos 1940 que a mostarda nitrogenada (um derivado do gás mostarda) foi utilizada pela primeira vez para tratar um paciente com câncer no sangue. >
E diversas medicações derivadas de agentes mostarda foram desenvolvidas posteriormente.>
As medicações modernas continuarão sendo projetadas principalmente em computadores — e, cada vez mais, utilizando inteligência artificial. Mas os pesquisadores seguirão buscando inspiração para novos remédios em locais estranhos e maravilhosos.>
*Craig Russell é professor de Farmácia da Universidade Aston, no Reino Unido.>
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.>
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