Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 07:44
A Antártida não é um país: não tem governo nem população indígena. Todo o continente é reservado para a ciência.>
No início do mês, o presidente do Chile, Gabriel Boric, fez uma visita histórica ao Polo Sul, se tornando o primeiro líder latino-americano a visitar o ponto mais ao sul do planeta.>
E lembrou ao mundo que seu país reivindica soberania sobre parte do continente.>
Mas o Chile não está sozinho. >
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Vários países reivindicam controle sobre partes da Antártida — e muitos outros estão presentes lá.>
Quais são estes países? E que direito eles têm?>
A Antártida é o quarto maior continente do mundo — depois da Ásia, América e África —, e um dos lugares mais cobiçados do planeta.>
Sete países reivindicam partes de seu extenso território de 14 milhões de quilômetros quadrados.>
Alguns são países vizinhos, como Argentina, Austrália, Chile e Nova Zelândia.>
Mas três nações europeias — França, Noruega e Reino Unido — também reivindicam soberania sobre partes da Antártida.>
A Argentina foi a primeira a estabelecer uma base permanente na região e a declarar sua soberania ali, em 1904. A Base Orcadas é a estação científica mais antiga ainda em funcionamento na Antártida.>
O país sul-americano considerava a região como uma extensão de sua província mais ao sul, Terra do Fogo, assim como as Ilhas Malvinas (ou Falklands), Geórgia do Sul e Sandwich do Sul.>
No entanto, o Reino Unido, que controla estas ilhas, fez sua própria reivindicação de parte da Antártida em 1908, reivindicando uma região que engloba toda a área requisitada pela Argentina.>
O Chile apresentou sua própria reivindicação anos depois, em 1940, também com base no fato de que se tratava de uma extensão natural de seu território.>
A Antártica chilena — como é conhecida no país — faz parte da região de Magalhães, a mais ao sul das 16 regiões em que o país se divide, e se sobrepõe em partes aos territórios reivindicados pela Argentina e pelo Reino Unido.>
As outras reivindicações de soberania se baseiam nas ocupações realizadas por famosos exploradores da Antártida no início do século 20.>
A da Noruega é baseada nas explorações de Roald Amundsen, o primeiro a alcançar o Polo Sul geográfico em 1911.>
E as reivindicações da Nova Zelândia e da Austrália têm como base as proezas de James Clark Ross, que hasteou a bandeira do Império Britânico em territórios que foram colocados sob a administração destes dois países pela Coroa Britânica em 1923 e 1926, respectivamente.>
Enquanto isso, a França também reivindica uma pequena porção de solo antártico que foi descoberto em 1840 pelo comandante Jules Dumont D'Urville, que o chamou de Terra de Adélia, em homenagem à sua esposa.>
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Além destas reivindicações soberanas, 35 outros países, incluindo Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos, Índia e Rússia, possuem bases permanentes no chamado continente branco.>
No entanto, o lugar que muitos chamam de Polo Sul (por conter o Polo Sul geográfico) não pertence a ninguém.>
Desde 1961, ele é administrado por um acordo internacional, o Tratado da Antártida, que foi originalmente assinado em 1º de dezembro de 1959 pelos sete países com reivindicações soberanas, além de cinco outros: Bélgica, Estados Unidos (onde o acordo foi assinado), Japão, África do Sul e Rússia.>
O tratado, assinado no contexto da Guerra Fria, buscava evitar uma escalada militar, declarando que "é do interesse de toda a humanidade que a Antártida continue a ser usada exclusivamente para fins pacíficos, e não se torne palco ou objeto de discórdia internacional".>
O pacto congelou as reivindicações territoriais existentes, e estabeleceu que a Antártida se tornasse uma reserva científica internacional.>
Também proibiu testes nucleares e "qualquer medida de natureza militar, exceto para auxiliar as pesquisas científicas".>
Desde então, 42 outras nações aderiram ao tratado, embora apenas 29 — aquelas com "atividades de pesquisa significativas" — tenham poder de voto e possam tomar decisões sobre o presente e o futuro da Antártida.>
Até agora, todos os países membros do pacto concordaram em continuar a proibir qualquer outra atividade no continente que não seja científica.>
Mas por que tanto interesse em um continente coberto quase totalmente por gelo?>
Um dos principais motivos tem a ver com o que potencialmente está sob o gelo: recursos naturais abundantes.>
"Há uma razão pela qual os geólogos geralmente ocupam a posição de maior destaque (nas bases científicas da Antártida)", diz o documentarista e jornalista Matthew Teller, que escreveu exaustivamente para a BBC sobre o continente branco.>
Embora as atividades de prospecção de petróleo e mineração sejam proibidas pelo Tratado da Antártida, a exploração para fins científicos é permitida.>
Assim, os especialistas conseguiram estimar que sob o solo da Antártida há cerca de 200 bilhões de barris de petróleo, segundo Teller.>
"Muito mais do que no Kuwait ou em Abu Dhabi", destaca.>
Atualmente, no entanto, não é viável explorar esses recursos, uma vez que — além de ser expressamente proibido — o custo de extração seria muito alto.>
Isso porque, diferentemente do Ártico, que é composto principalmente de oceano congelado, a Antártida é um continente rochoso coberto de gelo.>
E essa camada de gelo pode ter até quatro quilômetros de profundidade.>
Ao mesmo tempo, a construção de plataformas de petróleo offshore na costa da Antártida, onde se acredita que existam vastas reservas de petróleo e gás, também seria muito onerosa porque a água congela no inverno.>
No entanto, adverte Teller, "é impossível prever em que situação a economia mundial vai estar em 2048, quando será o momento de renovar o protocolo que proíbe a prospecção na Antártida".>
"Nesse cenário, um mundo faminto por energia poderia estar desesperado", afirma.>
Além de petróleo e gás, acredita-se que a região seja rica em carvão, chumbo, ferro, cromo, cobre, ouro, níquel, platina, urânio e prata.>
O Oceano Antártico também tem grandes populações de krill e peixes, cuja pesca é regulamentada pela Comissão para a Conservação dos Recursos Marinhos Vivos da Antártida.>
Todas essas riquezas naturais explicam por que os países que reivindicam partes do continente também foram até a Organização das Nações Unidas (ONU) para exigir seus direitos de propriedade sobre o fundo do mar adjacente aos territórios que reivindicam.>
Em 2016, a Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental (CLPC, na sigla em inglês) da ONU reconheceu o direito da Argentina de estender seus limites externos no Atlântico Sul, permitindo que o país sul-americano adicionasse 1,6 milhão de quilômetros quadrados de área marítima.>
No entanto, a CLPC não se pronunciou sobre a reivindicação relacionada aos territórios antárticos (nem da Argentina, nem de qualquer outro país), uma vez que o órgão não considera nem emite recomendações sobre áreas em disputa.>
O continente branco possui mais dois usos em potencial que são únicos, mas menos conhecidos do que as riquezas naturais tradicionais.>
Enquanto muitos se concentram nos possíveis benefícios econômicos que se encontram a quilômetros sob o gelo ou nos mares, eles ignoram o que muitos acreditam que vai ser o bem mais precioso no futuro: a água doce.>
O gelo que cobre a Antártida é a maior reserva de água doce do mundo, um recurso essencial escasso que pode um dia valer mais que o ouro.>
Estima-se que a Antártida contenha 70% da água doce do planeta, já que 90% de todo o gelo da Terra está concentrado lá.>
E há muito mais água doce congelada do que a encontrada no subsolo, nos rios e nos lagos.>
Se considerarmos que 97% da água do mundo é salgada, é fácil entender a importância deste recurso hídrico congelado no extremo sul do planeta.>
A outra vantagem pouco conhecida da Antártida tem a ver com seus céus, que são particularmente limpos e excepcionalmente livres de interferência de rádio.>
Isso os torna ideais para pesquisas no espaço profundo e rastreamento por satélite.>
"Mas também são ideais para o estabelecimento de redes secretas de vigilância e para o controle remoto de sistemas de armas de ataque", adverte Teller.>
A Austrália alertou que a China poderia usar sua base científica de Taishan — a quarta do país na Antártida, construída em 2014 — para vigilância.>
"As bases na Antártida estão tendo cada vez mais um 'uso duplo': pesquisa científica que é útil para fins militares", denunciou o governo australiano em 2014.>
Entretanto, o sistema de navegação por satélite da China, chamado BeiDou, está em conformidade com as regras do Tratado da Antártida, assim como o sistema Trollsat da Noruega.>
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