Publicado em 28 de junho de 2025 às 18:39
Ser um bom pai não é algo fácil de definir.>
Na verdade, nossa ideia de "bom pai" não é determinada apenas pela espécie a que pertencemos, e mesmo entre os Homo sapiens, os contextos culturais fizeram com que o "pai ideal" do século XXI não tenha absolutamente nada a ver com o que seria considerado um bom pai para um homem da antiga Pérsia imperial. >
Essa diversidade sociocultural se multiplica ainda mais quando comparamos com a enorme diversidade biológica do mundo animal.>
Existem todos os tipos de comportamentos imagináveis (e também inimagináveis) por parte dos pais (os genitores do sexo masculino) em relação aos seus filhos. >
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Contudo, do ponto de vista estritamente biológico, seria possível sim encontrar uma definição objetiva de "bom pai" com base em argumentos da evolução.>
Sob essa ótica, um bom pai seria aquele que garante a sobrevivência de sua prole, pelo menos até que ela atinja a maturidade sexual. Ou seja, todo comportamento paterno que aumente as chances de reprodução dos filhos seria considerado uma caraterística vantajosa, algo que aumente a eficiência biológica da espécie e, por isso, tende a ser favorecido pela seleção natural. >
Os cuidados parentais, portanto, trazem benefícios evolutivos. Mas, por mais estranho que pareça, são surpreendentemente raros. Por quê?>
A primeira razão estaria relacionada com o nosso hábito de tentar identificar se o bebê recém-nascido se parece mais com a mãe ou com o pai. >
Em muitas espécies que passam por fases larvais, essa discussão seria irrelevante, porque "a criatura" não se parece com nenhum dos pais.>
Sua aparência é radicalmente diferente. Tanto que, quando o conhecimento biológico era ainda mais limitado, as diferentes fases de vida de muitas espécies eram frequentemente consideradas não apenas espécies diferentes, mas grupos (filos) completamente distintos.>
Na verdade, essas diferenças entre pais e filhos não são apenas anatômicas e fisiológicas, mas também ecológicas. >
Isso quer dizer que os filhotes, em suas fases iniciais de vida, não compartilham o mesmo habitat que os pais e vivem em "mundos" diferentes. >
Vamos pegar um exemplo conhecido por todos: os mosquitos. >
As larvas dos mosquitos são como "minhocas" que vivem, comem, respiram e se desenvolvem na água, enquanto seus pais vivem em outro mundo: o aéreo. >
Nessas condições, a interação é praticamente nula, a convivência não existe e os cuidados parentais não são possíveis.>
Poderíamos pensar que, quando não há fase larval, os pais se importariam mais com seus filhotes, pressupondo que cuidariam daquilo que se parece com eles.>
Mas podemos descartar essa hipótese. Na maioria das espécies, os pais simplesmente ignoram a própria prole assim que os ovos eclodem. >
São vários os fatores que parecem influenciar, e para entendê-los é necessário ter em mente uma obviedade: é preciso estar vivo para cuidar dos filhos.>
Dito isso, não poderiam ser bons pais todos aqueles em que o processo reprodutivo resulta na morte, como é o caso dos salmões.>
Mesmo que quisessem, eles não poderiam cuidar dos seus filhotes já que, depois de subir o rio onde nasceram, eles morrem após a desova.>
Outro fator a ser considerado é o número de filhos gerados em um só ciclo de reprodução. É evidente que é complicado "preparar o café da manhã" para 20 mil filhotes, ainda mais quando eles se misturam com outros 20 mil filhotes de vizinhos, o que pode acontecer com muitas espécies marinhas que se reproduzem por fecundação externa. >
Assim, eliminamos a possibilidade de cuidados parentais em todas as espécies que apostam mais na quantidade para garantir a sobrevivência de alguns de seus descendentes do que na qualidade dos cuidados oferecidos a um número reduzido de filhotes.>
Um terceiro fator indispensável para cuidar dos filhos é a possibilidade de ter um lugar seguro onde eles possam sobreviver enquanto os pais saem em busca de alimentos.>
A existência desse "ninho-lar" é uma característica comum entre mamíferos e aves, além de insetos sociais, como as abelhas e as formigas. >
O ambiente em que os filhotes crescem também influencia bastante, tornando os cuidados parentais essenciais para garantir sua sobrevivência. >
Por exemplo, as fêmeas do aracnídeo Mastigoproctus giganteus transportam seus filhotes em uma câmara incubadora localizada no abdômen, garantindo a umidade essencial para que eles sobrevivam em ambientes extremamente áridos.>
Ainda mais curioso é como, no caso de algumas espécies predadoras, a própria natureza delas influencia esse comportamento.>
Um exemplo interessante é o de muitos tubarões, que utilizam as chamadas nursery grounds, uma espécie de "berçários" submarinos, onde as mães-tubarão nadam ao redor dos seus filhotes, protegendo-os contra ataques dos próprios machos da espécie. >
Mas, talvez, o que mais determina a existência de cuidados parentais seja o nível de dependência dos filhotes, ou seja, seu grau de indefesa por não terem capacidade de se alimentar e sobreviver sozinhos. >
Aqui incluímos todas as espécies de mamíferos — que dependem da amamentação materna durante a primeira fase de vida—, mas também a maioria das aves, que precisam de cuidados depois do nascimento até começarem a se desenvolver de forma autônoma. >
Se juntarmos todos esses requisitos, os cuidados parentais se desenvolveram principalmente em espécies que não morrem após a reprodução, que têm desenvolvimento direto (sem fase larval), que têm poucos descendentes, que não veem seus filhotes como possível alimento e, o mais importante, cujos filhotes precisam dos pais para sobreviver. >
Nesse grupo extremamente reduzido de espécies estariam, basicamente, os insetos sociais, aves modernas e os mamíferos euterianos, cujo desenvolvimento embrionário ocorre dentro do útero.>
Os vertebrados não mostram uma grande variedade de formas de cuidar dos filhotes, e parece haver uma certa predominância de um tipo de cuidado nos grupos evolutivos de cada linhagem.>
Nos poucos peixes ósseos que cuidam dos filhotes, geralmente são os machos que assumem essa função. No conhecido exemplo dos cavalos-marinhos, é o pai cavalo-marinho que carrega a prole até que eles possam nadar livremente.>
Nesse caso, a fêmea se limita a depositar os ovos fecundados na bolsa ventral do parceiro, que é quem fica "grávido". >
Por sua vez, os machos cíclidos, que incluem alguns peixes de água doce, secretam uma espécie de leite-muco pela pele, do qual se alimentam os filhote, embora essa tarefa seja compartilhada com as mães. >
No entanto, o caso mais conhecido de pais presentes e ativos no cuidado dos filhotes é o das aves, em que o cuidado é majoritariamente biparental. >
Esse comportamento é consequência do desenvolvimento homeotérmico de seus embriões, ou seja, os ovos precisam estar quentes para serem chocados. Se esfriarem, o desenvolvimento embrionário é interrompido. >
Nessa atividade intensa e contínua, a seleção natural permitiu o revezamento e favoreceu a monogamia social. Em 95% das espécies de aves, os casais permanecem juntos durante a temporada de reprodução e ambos os pais chocam os ovos. >
Nos mamíferos, os cuidados "parentais" são majoritariamente maternos.>
Nós temos a sorte dos embriões não serem devorados por predadores, pisoteados, ou vítimas de várias outras circunstâncias que afetam as espécies ovíparas. >
No nosso caso, o desenvolvimento embrionário e fetal acontece dentro do útero materno, quentinho, seguro e aconchegante. Esse vínculo entre mãe e filho continua durante o período de amamentação (que também é responsabilidade das fêmeas).>
Tudo isso representa um enorme aumento na taxa de sobrevivência dos filhotes. No caso dos primatas — e especialmente dos seres humanos —, as habilidades da espécie se multiplicam quando se dedica muito tempo a "ensinar", desenvolvendo uma herança dupla (genética e cultural).>
Isso merece uma reflexão importante: a grande vantagem que a viviparidade representa para os mamíferos é paga quase exclusivamente pelas fêmeas (no nosso caso, pelas mulheres).>
Assim, o "bom pai humano" tem a fascinante possibilidade de equilibrar essa balança injusta com amor, tempo e ensinamento aos filhos. >
Felizmente, cada vez mais homens estão descobrindo esse privilégio. >
* A. Victoria de Andrés Fernández é professora titular do Departamento de Biologia Animal da Universidade de Málaga. >
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).>
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