Publicado em 7 de julho de 2025 às 19:39
Quando o cardiologista Eric Topol atendeu pela primeira vez L.R., de 98 anos, algo chamou sua atenção.>
Ao perceber que ela não estava acompanhada por nenhum parente, ele perguntou como ela havia chegado ao centro médico.>
"Ela havia dirigido sozinha. Em pouco tempo, aprenderia muito mais sobre essa senhora incrivelmente vibrante e saudável, que mora sozinha, tem uma ampla rede social e desfruta da sua solidão.">
Topol, fundador e diretor da Scripps Research, um respeitado instituto de pesquisa na área de saúde nos Estados Unidos, tem uma longa carreira como cientista e escritor.>
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Seu livro mais recente, Super Agers: An Evidence-Based Approach to Longevity ("Superidosos: uma abordagem baseada em evidências para a longevidade", em tradução livre), foi elogiado por cientistas renomados, incluindo vários ganhadores do Prêmio Nobel.>
"Este livro revelador mostra que o segredo da longevidade não está no milagre das pílulas antienvelhecimento, mas em avanços científicos revolucionários", escreveu a bioquímica Katalin Kariko, vencedora do Prêmio Nobel de medicina de 2023.>
Em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, o médico de 71 anos adverte sobre mitos e pseudociências, sobre "muitas alegações falsas que circulam, suplementos antienvelhecimento para os quais não há evidências, e procedimentos e terapias vendidos sem nenhuma base científica".>
"Talvez um dia tenhamos uma pílula mágica, mas a verdade é que não temos nenhuma, não chegamos nem sequer perto disso.">
Seu objetivo é compartilhar o que a ciência provou, com fatos, dados e evidências, que "funciona" no processo de envelhecimento saudável.>
A seguir, está a entrevista com Eric Topol, que conversou com a BBC News Mundo nos Estados Unidos.>
BBC News Mundo - Você começa seu livro nos apresentando uma de suas pacientes, a senhora L.R. O que a história dela nos diz sobre os 'superidosos'?>
Eric Topol - Ela é o protótipo porque tem 98 anos e está totalmente intacta em todos os aspectos, e isso não está em seus genes. Todos os seus familiares, seus pais e irmãos, morreram quando tinham cinquenta ou sessenta anos.>
Já havíamos aprendido isso em um estudo abrangente que fizemos: essas pessoas que alcançam um estado incrível e saudável de envelhecimento, em sua jornada até os 100 anos, em geral não fazem parte de um padrão familiar.>
Ela personifica isso porque durante toda a vida se cuidou, não apenas em termos de atividade física e alimentação, mas também tende a ter um comportamento muito alegre, o que anda de mãos dadas com as muitas interações sociais que ela construiu. Ela tem vários hobbies, como pintura a óleo, e ganhou prêmios.>
É uma pessoa incrível, calorosa e cheia de energia. Na semana passada (última semana de maio), eu a levei para uma grande conferência. Em seus 98 anos de vida, ela nunca havia subido em um palco antes. Deixou toda a plateia encantada.>
É isso que todos nós deveríamos almejar: um envelhecimento saudável. Esse é o objetivo, e acredito que, com o tempo, vamos chegar lá, em vez de nos tornarmos idosos, como acontece na maioria dos casos, com doenças crônicas e problemas graves relacionados à idade.>
BBC News Mundo - Que bela experiência para ela estar no palco, não é?>
Topol - Sim, ela foi maravilhosa, estava muito nervosa, mas você não teria notado.>
BBC News Mundo - Você mencionou o estudo (lançado em 2007) que fez com seus colegas. Vocês passaram mais de seis anos sequenciando os genomas de cerca de 1,4 mil octogenários, sem problemas de saúde graves. O que descobriram?>
Topol - Em primeiro lugar, [os participantes] são muito difíceis de encontrar: eles precisavam nunca ter ficado doentes [com condições crônicas ou graves], nem estar sob um regime de medicação [de longo prazo], e deveriam ter mais de 85 anos. Levamos anos para encontrá-los.>
Depois, demoramos um tempo para fazer todo o sequenciamento dos genomas, e encontramos pouca coisa que explicasse por que eles são do jeito que são.>
Talvez haja um componente genético, mas não é a explicação predominante. Pode haver um pouco de sorte, claro. Algumas pessoas podem ter muita sorte, mas não acho que isso seja o fundamental.>
Na verdade, acho que a principal explicação é o sistema imunológico, que está intacto nessas pessoas — e é assim que elas se protegem contra o câncer, as doenças neurodegenerativas e cardiovasculares.>
Elas têm o tipo certo de resposta imunológica para protegê-las, e não reagir de forma exagerada. Esta é a explicação mais provável.>
E, claro, todos nós podemos obter isso com nosso sistema imunológico, por meio de um estilo de vida saudável: evitando uma dieta que promova inflamação, e praticando exercícios, porque isso reduz [a inflamação], assim como dormir bem.>
Tudo se encaixa nesse modelo do sistema imunológico e da inflamação, o chamado inflammaging [termo que combina duas palavras em inglês: inflamm, de inflamação, e aging, de envelhecimento] e imunossenescência [como se denomina o processo de envelhecimento do sistema imunológico].>
BBC News Mundo - Você disse que é "libertador" saber que os genes não determinam necessariamente o envelhecimento saudável. Como podemos adiar as doenças e nos tornar "superidosos"?>
Topol - É libertador para aqueles que, como eu, têm um histórico familiar terrível de morte prematura e doenças crônicas relacionadas ao envelhecimento.>
O que temos agora são informações sobre fatores de estilo de vida das pessoas [que afetam a saúde], que chamo de fatores de estilo de vida +, mas em breve teremos perfis de risco muito específicos para cada indivíduo.>
Por exemplo, poder dizer que você não apenas corre o risco de sofrer de Alzheimer, mas também poder fornecer informações sobre quando.>
No passado, podíamos dizer "sim" ou "não" ao risco de um paciente desenvolver Alzheimer, mas em breve poderemos dizer: "Isso vai acontecer quando você tiver entre 74 e 76 anos, se não fizer nada. Veja o que podemos fazer a partir de agora, sabendo disso.">
É uma avaliação muito específica do risco em relação ao tempo e à precisão — o que eu chamo de prognóstico médico de precisão —, e vai ser um divisor de águas porque, em vez de as pessoas resistirem às mudanças de estilo de vida, medicamentos e outras medidas que temos atualmente, elas vão ter uma maneira muito melhor de prevenir.>
Nunca tivemos nada parecido com isso, e nunca conseguimos realmente fazer prevenção, embora continuemos falando sobre isso. Falamos em evitar que a doença ocorra, em vez de, por exemplo, depois de sofrer um ataque cardíaco, prevenir um segundo ataque.>
Este é um tipo de prevenção completamente diferente. Então, para mim, o mais interessante aqui é que estamos aprendendo como alcançar a prevenção primária, e isso só vai melhorar graças a todos esses novos avanços na ciência do envelhecimento, assim como no processamento de dados com inteligência artificial.>
BBC News Mundo - E esse é um novo enfoque, não só da perspectiva de cientistas e médicos, mas também nosso, como pacientes, que às vezes pensamos que a genética define tudo, e que se nossos pais ou avós tiveram uma determinada doença, é muito provável que nós também tenhamos. Podemos dizer que este é um enfoque otimista?>
Topol - Sim, é, e isso é muito importante destacar.>
Algo que não estamos entendendo sobre essas doenças comuns e relacionadas à idade é que, quando herdamos o genoma da nossa mãe e do nosso pai, não é que recebemos um ou outro, mas sim uma mistura dos dois, e essa mistura é diferente.>
Às vezes, pode anular o risco, outras vezes pode acentuá-lo, e também pode introduzir novos riscos. Tínhamos uma noção muito primitiva do que acontece quando dois genomas se fundem, o da mãe e o do pai.>
E isso é muito importante porque, por exemplo, o risco poligênico (predisposição genética de um indivíduo desenvolver uma doença) é muito útil e muito fácil de obter agora.>
Embora não diga quando, ele diz "sim" ou "não" para tipos de câncer comuns e doenças cardíacas ou neurodegenerativas.>
Você pode ter um alto risco poligênico (para uma determinada doença), mas seus pais não, ou você pode ter um baixo risco poligênico para uma doença, e um dos seus pais sofrer da doença.>
É por isso que acredito que estamos em um despertar, no sentido de que não são apenas os genes — e, além disso, o sistema imunológico não é algo que vemos nos genes.>
O sistema imunológico só pode ser compreendido por meio do exame das células imunológicas, da função imunológica, em laboratório, e isso é algo que não fazemos. Estamos em um ponto cego no momento, e isso é algo que precisamos cobrir.>
Acho que temos uma fixação por genes e DNA, mas se trata de algo que é muito maior do que isso, muito mais complexo do que o que foi classicamente visualizado.>
BBC News Mundo - Além disso, você explica no livro que várias das doenças que associamos à velhice podem levar décadas para se desenvolver. É possível começar a preveni-las, ou pelo menos tentar neutralizá-las e minimizar seu impacto, muito antes de aparecerem. É isso mesmo?>
Topol - Sim, e esse é um ponto-chave. Tínhamos a noção de que essas doenças poderiam ocorrer rapidamente, em questão de meses, até anos, mas não. Isso só acontece em raras ocasiões.>
A verdade é que elas levam duas décadas ou mais, então temos tempo mais do que suficiente para nos antecipar, mas não estamos fazendo isso.>
Temos muita sorte de ter esse longo período de tempo para agir e, claro, quanto mais rápido agirmos, maior será a chance de preveni-las.>
BBC News Mundo - Embora tenha mencionado a importância da alimentação, de dormir o suficiente e das relações sociais no processo de envelhecimento, você diz que "o exercício pode ser considerado a intervenção médica mais eficaz que conhecemos". Por quê?>
Topol - O exercício, e os dados confirmam isso, é extraordinário. Se fosse um medicamento, seria o maior avanço farmacológico que poderíamos ter.>
E não se trata apenas de exercícios aeróbicos, como caminhada acelerada ou andar de bicicleta, mas também treinamento de força e equilíbrio. Ambos são muito importantes.>
O fascinante é que o exercício ajuda a manter o sistema imunológico muito saudável.>
Sabíamos que o exercício ajuda a prevenir o Alzheimer, mas também ajuda a prevenir o câncer e as doenças cardiovasculares.>
E não precisa ser um exercício extremo, qualquer atividade contínua é boa.>
Todos nós deveríamos nos movimentar mais. É algo que nunca é demais enfatizar: é grátis, é simples.>
É uma questão de criar uma rotina e segui-la o máximo que puder, idealmente todos os dias.>
BBC News Mundo - E você enfatiza que nunca é tarde para começar. Às vezes, podemos pensar que se não acostumamos nossos corpos a rotinas de exercícios quando éramos jovens, quando se chega a uma certa idade, começar a praticar não terá muito efeito.>
Topol - Não, nunca é tarde demais. No livro, falo sobre algumas destas pessoas que têm uma idade muito avançada, e se tornaram campeãs mundiais*.>
Você pode desenvolver uma nova força, uma nova capacidade cardiovascular em qualquer idade e, mesmo depois dos 90 anos, pode se revitalizar fisicamente.>
*Em seu livro, o médico menciona Richard Morgan, de 93 anos, que quando era septuagenário começou a se exercitar regularmente pela primeira vez na vida usando uma máquina de remo. "Ele ganhou quatro campeonatos mundiais de remo indoor.">
BBC News Mundo - Vou citar um fragmento do seu livro: "São intrigantes os cérebros dos 'superidosos' que, aos 80 anos, têm a memória de pessoas de 20 anos, ou 20 anos mais jovens". Como são os cérebros dos "superidosos"?>
Topol - O cérebro é incrivelmente saudável, e há algo que precisamos ter em mente: a maioria destas pessoas, à medida que envelhece — quando tem 90 anos ou mais — desenvolve as mesmas proteínas mal dobradas, como amiloide e tau, em seus cérebros.>
E você pensa: "(pelo acúmulo de) amiloide e tau, elas deveriam ter Alzheimer, não deveriam ter uma capacidade cognitiva tão grande.">
Mas a verdade é que elas têm porque não desenvolvem inflamação contra essas proteínas, elas se adaptam, e sua estrutura cerebral parece intacta.>
Isso é algo que chama atenção: como alguém pode manter uma função cognitiva executiva tão bem preservada em uma idade avançada?>
Eles desafiam as expectativas. A maioria das pessoas diz: "Quando você tiver 90 anos, vai perder suas faculdades (mentais)", mas isso não é verdade.>
Temos muitas maneiras (de evitar a perda da capacidade cognitiva), e uma das mais importantes é o sono.>
Todas as noites, temos esses produtos residuais no nosso cérebro, metabólitos que são realmente tóxicos e promotores de inflamação, que precisamos eliminar por meio do chamado canal glinfático, que foi descoberto nos últimos anos.>
E acontece que, se não tivermos um sono profundo adequado, o tipo de sono de ondas lentas que geralmente ocorre no início da noite, não eliminamos esses produtos residuais e, basicamente, damos a eles a oportunidade de inflamar nosso cérebro.>
Portanto, precisamos melhorar o sono profundo para prevenir doenças neurodegenerativas.>
BBC News Mundo - Você acabou de mencionar um fator essencial: dormir bem. O que mais podemos fazer para manter nosso cérebro saudável?>
Topol - Praticar exercícios, ter um sono profundo e adotar uma alimentação que não promova a inflamação do corpo.>
Que seja uma dieta baseada em grande parte em alimentos de origem vegetal, como a mediterrânea. Isso tem sido demonstrado estudo após estudo; esse tipo de alimentação ajuda a suprimir a inflamação no corpo, diferentemente da dieta que inclui ultraprocessados, carnes vermelhas e outros alimentos que são claramente pró-inflamatórios.>
Uma alimentação mais saudável faz uma grande diferença, assim como o exercício, o sono e as relações sociais que temos à medida que envelhecemos. É realmente surpreendente o efeito que esses fatores têm.>
E não podemos esquecer de estar ao ar livre, na natureza, em espaços verdes. É realmente interessante ver como isso não apenas reduz o estresse, a ansiedade e a depressão, como também tem um efeito muito marcante na prevenção de doenças relacionadas à idade.>
Há muitas coisas que podemos fazer, mas não estamos fazendo.>
É mais provável que as façamos quando soubermos qual é o nosso risco específico (para uma certa doença), o que vai acontecer em breve, e vai se tornar rotineiro.>
Significa dizer, por exemplo: "Margarita, você é muito saudável, mas temos os relógios de todos os seus órgãos, todos os seus biomarcadores, seus dados, e a inteligência artificial nos diz que esta é a doença à qual você é vulnerável, então vamos preveni-la. Temos 15 ou 18 anos pela frente antes que isso realmente aconteça.">
É para isso que estamos caminhando, e é muito emocionante; nunca tivemos essa capacidade antes.>
BBC News Mundo - Você desenvolveu sua carreira como médico, pesquisador, escritor e professor. E, no fim do livro, faz um agradecimento emotivo a seus pacientes, alguns dos quais ainda atende. Quão importantes eles são na sua vida?>
Topol - Eles são minha inspiração. Sim, continuo atendendo, e adoro vê-los. Alguns deles eu atendo há mais de 30 anos. Alguns até vêm de outras cidades para as consultas.>
A razão é que eu aprendo com eles. Eles me fazem ver o que está faltando na medicina, em que precisamos trabalhar, e me ensinam isso o tempo todo.>
Embora eu tente ajudá-los, eles estão me ajudando, e isso me faz sentir muito grato.>
A senhora L.R., por exemplo, foi uma grande inspiração para mim.>
Fizemos o estudo Wellderly (uma fusão das palavras "well", que significa bem, e "elderly", que quer dizer "idoso"), o publicamos, e muitas pessoas usaram nossos dados para conduzir suas próprias pesquisas e descobertas.>
Deixei isso um pouco de lado, mas depois a vi e disse: "Outra wellderly! Tenho que escrever um livro sobre isso porque é incrível".>
É incrível o quanto eles nos ensinam sem perceber, justamente quando nós tentamos ajudá-los.>
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